O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O operário em construção - de VINICIUS DE MORAES





Este poema dirige a minha vida. Impressionou-me desde o primeiro contato, em 1969. Só comecei a declamá-lo em público em 1986. Já repeti a ousadia mais de cem vezes, em lugares diferentes, ocasiões diferentes, para públicos diferentes.
E com resultados diferentes.
Fiquei plenamente integrado a este poema. Quando o declamo, estou querendo convencer as pessoas das verdades expostas por Vinicius. 
Este poema não permite que eu me amedronte, nem que eu me venda.
Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
======================================================

O Operário Em Construção
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. IV, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.

Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido.
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.




segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Quem serve para ser professor?




O Jofre foi meu aluno no quarto ano do magistério. Um desses alunos que passam ao professor uma tranquila segurança com relação ao futuro da profissão. Era o único homem na classe. Um homem grandão, um negro forte, de fala sossegada. Através das histórias que me contou, provavelmente eu aprendi mais com ele do que ele comigo.
Jofre era seminarista. Pretendia mais do que ser sacerdote, queria ser sacerdote e professor. Acumulara uma série de experiências raras na estrada da educação. Tinha coordenado trabalhos comunitários em favelas, aproveitando muito bem as oportunidades de conhecer de perto o povo de Deus. Agora, quando se preparava para ser dirigente espiritual, ao mesmo tempo queria ser educador desse povo.
O que podíamos nós, professores do magistério, fazer por ele?
Primeiro, devíamos nos sentir honrados em tê-lo como aluno. Depois, devíamos desenvolver-lhe as habilidades pedagógicas, habilitando-o a nos suceder na missão de ensinar.
Ele tinha dificuldades, sim. Ao colocar suas ideias no papel não conseguia fazê-lo com a mesma desenvoltura com que as colocava numa conversa. Durante o ano todo foi essa a nossa prioridade no trabalho com ele: auxiliá-lo, indicando-lhe meios de burilar a sua expressão escrita.
Pois chegou o final do ano letivo e, surpresa: o Jofre estava retido em Psicologia. As colegas dele não se conformavam, eu não me conformei... Mas calma, vai haver o conselho de classe, claro que essa decisão vai ser revogada...
Reunião do conselho, um tanto de boa vontade, outro tanto de guerrinha de vaidades...  Os casos vão sendo analisados, nota vermelha, excesso de faltas, essa dá para passar, essa é boa, essa uma avacalhou... E assim foi indo. Chegou a vez do Jofre. Os professores concordavam que ele tinha muito potencial, mas tinha suas dificuldades de expressão. Ué, mas o professor de Português, o que diz? Disse: o João superou suas dificuldades, passou comigo. E então? A professora de Psicologia, inflexível: Comigo, não dá para passar.
Defendi o Jofre. Será um excelente professor. É de pessoas como ele que o magistério precisa, pessoas com toda a vivência social que ele tem... Mas afinal, professora, qual a deficiência dele na sua matéria?
E as provas foram exibidas: olha aqui, essa prova do último bimestre, eu perguntei aqui e ele não soube responder o que é mancinismo.
Terrível alguém não saber o que é isso? Eu disse: Eu também não sei. E isto não me prejudicou até hoje... Então tenho que ser mandado embora desta escola, não posso mais dar aula... Pois se o Jofre vai ser impedido de receber o diploma por causa disso.
E foi impedido mesmo. O conselho não quis prosseguir a polêmica, a maioria foi pelo parecer da professora da matéria: se ela acha que não dá para receber o diploma, então não dá. E não deu... Foi mais uma vitória para a já famosa inflexibilidade da professora.
Aconteceu a cerimônia de diplomação. O quarto magistério... As moças muito bem arrumadinhas, uma festa, e o Jofre não estava... Dias depois, encontrei-o na igreja. Que pena, professor, fiquei triste sim, mas não faz mal. Desisti do magistério, agora estou indo para Lorena, já passei no vestibular, vou fazer Teologia, me ordenar padre.
Então foi assim: O Jofre servia para ser padre, mas no entender da professora de Psicologia, e de vários colegas do conselho, não servia para ser professor primário. Pois desconhecia o que é mancinismo. Hoje talvez ele tenha aprendido o significado da palavra, mas se não souber, também não lhe deve fazer falta nenhuma.
Continuo acreditando que o magistério só teria a ganhar com a participação dele como professor.

*
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Extraído do livro “Aconteceu na Escola”, do autor.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Uma aluna em dificuldades



Senhor, fazei-me instrumento de Vossa paz!
Oração de São Francisco


Estava uma manhã muito bonita, era primavera. Depois do recreio, os alunos muito quietinhos faziam as lições. O gado do Seu Irineu, lá longe, de vez em quando mugia. Parede e meia com a escola, a casa da Dona Rosinha era quase silêncio completo: uma ou outra panela que batia, chinelos pelo corredor de tijolo, o rádio ligado num programa evangélico... Aí a Eva chegou até a minha mesa e falou baixinho: “Professor, a Joana fez cocô na saia, posso levar ela lá em casa pra ela se lavar? Eu peço pra vó emprestar uma roupa minha pra ela.”
A avó da Eva era justamente a vizinha, a Dona Rosinha. E para lá foram as duas. Eu peguei o pano de chão, molhei, pinguei um pinho-sol e limpei a carteira e o chão. Os aluninhos nas suas lições. A Maria Lúcia que falou: “Coitada da Joana, né Professor?”
Demora um pouco, voltam as meninas. A Eva com um sorrisão tranquilo, tinha feito um ato bom. A Joana meio envergonhada, mas feliz na roupa limpa emprestada pela Dona Rosinha, e cheirosa do banho tomado. Depois, fim de aula, até amanhã, não esqueçam a tarefa etc., as crianças vão embora conversando em grupinhos, mas quase todas juntas, a estrada era uma só para todos, até a encruzilhada do Cepinho. Ali se dividiam, porque o pessoal da Fazenda Santana tinha que seguir reto mais uns quilômetros.
E eu reparei: “Veja só, que sossego, todos conversando bem amigos, ninguém debochando de ninguém, a Joana recebeu só manifestações de atenção, de coitadinha... Se fosse na cidade? Se fosse noutro lugar? Como que a gente faz para levar este clima para outros lugares?
A estrada era a Estrada do Pagador Andrade, que levava a outras fazendas, à represa, e a mais sossego. Hoje essa estrada leva para uma imensa fábrica de cerveja e a loteamentos novos. O lugar é o mesmo, o tempo passou, muito. O sossego deve ter acabado. Eu, depois desse dia, já trabalhei em muitos lugares, já confirmei que aquilo só podia ter acontecido ali, naquele tempo, com aquelas crianças, naquelas manhãs de primavera.
Mas dentro do meu coração eu continuei acreditando que é preciso caminhar naquela direção, que não posso perder de vista aquele momento, que a minha missão é reconstruir a utopia que eu vivenciei numa pobre sala de aula do Bairro do Rio Abaixo, em Jacareí.
E hoje eu sei que fraternidade é o nome daquela utopia. 

• • •


Autor: Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

Extraído do livro “Aconteceu na Escola”

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Entre o carro de boi e o avião a jato



O Vale do Paraíba tem o avião e o carro de boi. No meio dos dois, uma imensa população que, geração a geração, vai se aproximando cada vez mais do avião e do shopping, deixando esmaecidos na lembrança o carro de boi e o fogão de lenha. Tinha que ser assim. Nossa cultura é condicionada pelo espaço e pelo tempo.
Limitados pelas serras e orientados pelo rio, desenvolvemos nossos costumes influenciados pelas viagens entre a capital da província e a capital do império. De uma e de outra chegaram até nós as notícias políticas e os costumes refinados. Pelas estradas que uniam as minas com o litoral desceram até aqui a cozinha e a desconfiança mineiras e subiram o artesanato indígena e as técnicas construtivas do caiçara.
O tempo era de religião, que configurou nossas festas, nossas irmandades, nossos escritos, nossa música, nossa arquitetura. Mas o tempo transcorre. Aos poucos, a religiosidade foi se tornando apenas um pano de fundo para ocasiões de encontro entre as populações urbanas e do campo. Hoje, a população do Vale do Paraíba se indaga sobre sua própria cultura e vai percebendo que precisa produzi-la de novo, que não podemos viver do que já produzimos nesses séculos, pois o antigo e tradicional vai sendo terraplanado pelos poderosos meios de comunicação e já temos vergonha de forçar os “rr” como bons caipiras que fomos.
Entre o carro de boi e o avião, já não queremos pintar telas representando um casebre bucólico, porque sabemos que ele é lindo para quem contempla o quadro, mas é horrível de ser habitado. Não queremos de modelo as lavadeiras da beira do rio, pois, enquanto nosso olhar se deleita com os coloridos reflexos da roupa branca sobre o capim verde, nosso coração sabe que não é justo pessoas trabalharem daquele jeito. Mas também não queremos pintar nossas ruas atuais, com sua confusão de fios elétricos e telefônicos se emaranhando nos postes.
Entre as duas maiores cidades do país, queremos a sofisticação da arte e da cultura, mas atravessados pelas influências mineiras e litorâneas, também queremos a simplicidade. Na organização do carnaval, ora tentamos, com resultados chinfrins, imitar os desfiles das grandes escolas de samba, ora nos voltamos para a singeleza dos bonecões.
Estamos ainda procurando o objeto do nosso gosto cultural.
Às vezes queremos o passado com seus costumes, deixando de considerar que tudo em volta se modificou e a festa antiga fica flutuando no meio da modernidade, sem alicerces. Alguns de nós vamos percebendo que talvez seja mais significativo preservar a lembrança do evento do que forçarmos a sua realização de novo.
Telefonou-me a representante de uma empresa de produção artística, oferecendo para o departamento de Cultura seus serviços de decoração de ruas para a procissão de Corpus Christi. Espantei-me. Mas, de fato, não havia com que me espantar. O que eu queria? Que renascesse a procissão de outras eras? Que o povo continuasse atapetando as ruas do centro com flores, folhas, desenhos coloridos de pó de café e casca de arroz? Que as janelas ainda fossem adornadas com toalhas, almofadas, tapeçarias? Quem iria fazer isto? Se já não mora ninguém no centro, é cada vez menor o número de fiéis que acompanham a procissão e é cada vez maior a proporção de não católicos na cidade... E as folhas de manga iriam ser colhidas onde? As residências não têm mais quintais. Então, precisa mesmo que a prefeitura ajude, pelo menos mandando caiar no piso da avenida alguns desenhos referentes à data. E contratando a banda de música para acompanhar o préstito. Tudo com muito cuidado contábil, por causa do artigo dezenove da Constituição. E os músicos já não aceitam tocar seus instrumentos movidos apenas pela fé, principalmente agora que mais da metade da banda é constituída de evangélicos.
Para que mesmo iríamos enfeitar as ruas? Para atrair turistas, fingindo que a cidade mantém suas tradições religiosas? Sendo que nossos moradores, aproveitando os feriados, foram praticar turismo em outros municípios... Deveríamos então contar – como antigamente – com o afluxo de roceiros que viriam espiar o movimento? Sem esperança! Mais fácil os moradores da cidade, nesses dias, irem passear na roça, visitando os pesqueiros e lanchonetes de lá.
Na Semana Santa, nas festas de santos, nas cavalgadas de São Benedito, nas Folias de Reis... De todos os eventos culturais que já foram majestosos restam hoje festas divertidas sim, mas quase que estritamente comerciais. Ou esportivas, caso das cavalgadas. Poucos se lembram do santo, interessam as barracas em volta da santidade esquecida.
No entanto, ainda vivem, nas estreitas ruas da periferia, alguns velhinhos que sabem as rezas, que entoam as músicas que nunca foram escritas, velhinhos que ainda têm o poder de encantar os netos com o seu conhecimento e seu gingado. Velhinhas que sabem as receitas, que têm os modelos e moldes. Esses guardiões deverão ter suas memórias registradas.
Reunido com alguns interessados nos movimentos culturais, ouvi um relato triste e uma proposta assustadora. Os artesãos não estavam comparecendo às feirinhas de artesanato, porque vendiam muito pouco, as pessoas preferiam comprar, ali por perto mesmo, produtos chineses, bem baratinhos. Ora, para que eles voltassem à praça, embelezando-a com suas barraquinhas cheias de bordados, bonecos, almofadinhas e panos de prato, seria bom que a prefeitura começasse a pagar-lhes um cachê todo final de semana. Argumentei que isto não era possível e também machucava a lógica de mercado e os princípios da administração pública. Mas aquilo ficou me preocupando. Se não há mais compradores para artesanato, vale forçar a permanência de uma feira? Para manter uma tradição? Mas não há caminho para refazer o passado. Compravam-se tais produtos antigamente não por beleza e adorno, mas por necessidade e uso no dia a dia. Muita da matéria prima do artesanato daqueles tempos era extraída das matas, do leito dos rios, das praias. Isto hoje poderia tipificar um crime.
Assim, alguns eventos culturais vão se transformando em réplicas de si mesmos, em pobres imitações de grandiosos acontecimentos do passado. Mas que podem valer como registro, como auxiliar da memória coletiva, para que as atuais gerações sejam informadas de que este Vale já foi habitado, nos duríssimos tempos do desconforto e da simplicidade, por um povo unido, ético, piedoso e criativo.
********
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Imagem: pt.m.wikipedia.org