O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Vermelho sobre negro


Quase uma hora da tarde. No meio da multidão de alunos, eu descia a ladeira da Bicudo Leme, sob o sol de verão, indo para o Instituto. O colorido das calças cáqui, das saias azuis, das blusas brancas com emblema, o falatório geral, as risadas, os gritos, tudo aquilo me deixava meio tonto, com vontade de não estar indo para a escola coisa nenhuma. A terceira série do ginásio não me alegrava.

O que me alegrava era ficar em casa, no quintal, debaixo das ameixeiras, cuidando dos animais, limpando o galinheiro, o chiqueiro, levando as cabras para pastar, arrumando os canteiros das verduras. Queria ficar olhando as gaiolas dos passarinhos, queria pegar numa vassoura e ir varrendo o caminho que passava entre as bananeiras e terminava lá no fundo, no muro da fábrica. Eu estava deprimido naquele ano, mas nem sabia o que era isto.

Algumas semanas antes, tinha ido à Imperial, para comprar as meias pretas e mais alguma coisa do uniforme. Tudo na conta da Companhia Cícero Prado, era o prêmio por ter tirado o diploma do primário em primeiro lugar. Só que, na hora de escolher as meias, um problema: a loja não dispunha de meias inteiramente pretas. As que comprei tinham três bolinhas vermelhas no punho. Mas isto ninguém ia ver, debaixo das calças cáqui.

Dobrei a esquina, junto com o rebanho de alunos. E todos foram diminuindo a marcha, havia um aglomerado junto aos portões: os inspetores estavam verificando os uniformes e recolhendo as cadernetas. Eu me sentia em paz: meu uniforme completo, minha caderneta no bolso. Podem me examinar, Seu Cacá, Seu Lula, Seu Gumercindo, Dona Toninha, Seu Mattos... Não vou perder a prova de hoje.

O Seu Lula me parou. Fui mostrando: “Está tudo certo, camisa com emblema, a calça cáqui, cinto preto, sapato preto, meia preta”. Mas então ele falou: “Levanta a perna da calça!”. Então lembrei do problema das meias, puxei para cima só um pouquinho a perna da calça. “Levanta mais! Quero ver a canela!”. Meu Deus do Céu, levantei mais um pouco e ele bradou triunfante: “Tem essas bolinhas vermelhas, não é meia do uniforme, não vai entrar”.

Argumentei, sem força. Pedi, mostrei que as bolinhas nem apareciam, só se alguém fosse arregaçar as minhas calças. Não adiantou, ele já me descartou de lado, o rebanho precisava passar. “Vou perder prova, Seu Lula!”. Ele nem respondeu, os colegas que entravam me empurravam para a calçada, sem querer: era a multidão. “Seu Lula, eu vim de Coru, vou perder aula, vou ter que voltar?” Mas ninguém deu atenção, fui embora.

Nem tinha ônibus do Seu Ciro naquele horário, tive que pegar o Pássaro Marrom, descer na estrada, no Portão de Coru, andar um trechão até chegar em casa. O Pedro estava lá, ele estudava de manhã. Começamos a consertar o telhadinho de sapé da casa da cabra. Deu tempo ainda de aproveitar o vento, empinar pipa com o Bosco. De noite, a Vó fez arroz com linguiça de lombo, bem fritinha.

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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

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