O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

sábado, 31 de dezembro de 2016

Três canções de despedida


BALANÇO FINAL

Entretanto, no fim voltarei a estar só.
Esta é uma certeza calma: voltarei
a estar absolutamente só,
apesar de todos, de tudo, de nós.

Não estarei perdendo nem estarei ganhando
coisa alguma com a volta à solidão.
Apenas estarei sendo restituído
ao lugar que me foi destinado.

Não me sentirei roubando
nem me sentirei roubado.
Apenas, como agora, vou me sentir
dono daquilo que me foi reservado.
Nada mais.

Voltarei a estar só, sem mágoa.
Contente e humilde, feliz e calado,
sabendo que mais não me era permitido
ter desejado.
*   *   *

Poema de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Livro “Terra Vegetal” – Reg. Biblioteca Nacional: 133.608




MOMENTO: PRESENTE

Abre os olhos meu irmão
para o momento presente
                        presente
que já se vai meu irmão
que já se foi meu irmão.

Nota o pássaro pousado
ao alcance de tua mão

ele se agita assustado
para voar apressado

ele está muito atrasado
para os ventos que virão

no próximo segundo já terá voado
para além de tua mão

no terceiro abandonado
o teu campo de visão

e por fim terá deixado
só ausência em tua mão.

Vai-se o passado, apressado:

                                   Tudo é pouso improvisado
                                   Para os sonhos que virão.

*   *   *

Poema de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Livro “Terra Vegetal” – Reg. Biblioteca Nacional: 133.608



ESQUECIMENTO

Haverá depois vozes dos outros
e ruídos das coisas
e nossas vozes se perderão.

Passarão pelo caminho
muitos pés em muitos passos
e nossos passos serão esquecidos.

O vento soprará aqui e noutros lugares
levando sons e pó
e não mais levando nossas ideias.

Choverá, como sempre,
a mesma chuva de sempre,
que será alheia a nós, então.

Mesmo a areia molhada da praia
não terá lembrança
de nossa caminhada.

*   *   *
Poema de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Livro “Terra Vegetal” – Reg. Biblioteca Nacional: 133.608


sábado, 15 de outubro de 2016

ORAÇÃO DA MESTRA - Gabriela Mistral



ORAÇÃO DA MESTRA (Gabriela Mistral)

Senhor! Tu que ensinaste, perdoa se eu ensino,
se levo o nome de mestre que levaste pela Terra!

Concede-me o amor único de minha escola!
Que nem o sortilégio da beleza seja capaz
de roubar-lhe a minha ternura de todos os dias.

Mestre, faz perdurável a minha paixão
e passageiro o desencanto.
Arranca de mim este ingênuo desejo de justiça
que ainda me perturba,
a revolta que nasce dentro de mim quando sou ferida.

Que não me doa a incompreensão,
nem me entristeça o esquecimento
daqueles a quem ensinei.

Concede-me ser mais mãe que as mães,
para poder amar e defender, como elas,
o que "não é carne de minhas carnes".
Que eu chegue a fazer, de um dos meus alunos, 
meu verso mais sublime e a deixar nele gravada 
minha mais insinuante melodia
para quando meus lábios não cantem mais.

Torna-me possível Teu Evangelho, em meu tempo, 
para que eu não esmoreça
na luta de cada hora por ele.

Põe, em minha escola democrática,
o resplendor que descia
sobre Teu coro de meninos descalços.

Faz-me forte, ainda em meu desvalimento
de ser humano, e de ser humano pobre.
Faz-me desprezar todo poder que não seja puro; 
toda pressão que não seja
a de Tua vontade ardente sobre minha vida.


sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Saudade no tempo e no espaço




Saudade no espaço é a gente querendo muito ficar de novo pertinho de quem a gente gosta e a vida levou para longe.

Saudade que dá jeito de atender: a gente espera, marca, junta um dinheiro, pega o avião e vai ficar um tempo pertinho de quem a gente ama.

Mas saudade no tempo é a gente querendo viver de novo um tempo faz tempo que a gente viveu pertinho de quem a gente hoje ama demais, de doer no coração. Mas no tempo junto a gente não sabia que amava tanto. Achava natural e gostoso estar perto.

Mas não sabia que um dia a gente ia lamentar cada momento que viveu perto sem perceber que aquilo era a glória. Porque se a gente tivesse ganhado uma sabedoria enorme, de graça e repentina, naquele tempo de proximidade, a gente ia se olhar diferente e ia dizer que tinha que fazer o tempo parar, que nada disso de ir um para cada lado, que a felicidade seria continuar pertinho e fazer o tempo passar depressa ou devagar, não importava: importava era ter ficado junto.

Mas a História não deixa, porque somos bobos e só perdemos a bobice depois que estamos separados no espaço e no tempo.

Meu amor, é isto.

Agora, é ir consertando e nos concertando, corações desritmados, almas desalinhadas, buscando reconstruir a beleza original do quadro que esteve um dia à nossa disposição.
Nós nos amamos e é indigno ficarmos longe. É indigno deixarmos de falar sobre isto.

***
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

Idade do corpo e idade do espírito


Não vou entrar nessa falácia de dizer que sou jovem e eternamente jovem no espírito. Caramba, o corpo já me nega os movimentos mais independentes e as torções mais prazenteiras...falar em idade do espírito nessas horas é mudar de assunto.

Validade pouca de um espírito assanhado dentro de um corpo travado.
Veja na praia. O vovô de setenta anos é assediado pela neta de quatro anos, que o toma pela mão: - Vovô, vamos no mar, Vovôzinho!

E o vovô ponderava - "Agora não, deixa o vovô acabar de chegar, quer beber uma cerveja, conversar com sua avó, com sua mãe, ainda nem passei bloqueador..."

Mas os quatro anos da netinha não vão se conformar com alegações tão inconsistentes. Além de bebê, ela é mulher, pequenina, mas é mulher e não vai se conformar com um adiamento.

Toma da sua mão e diz, meiga: "Ah, por favor, Vovô! Vamos!"

E você vai e alimenta o processo natural de submissão dos homens às mulheres.
Parabéns, Vovô!


***
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Repartir com todos


Muitos anos! Uma vida inteira buscando conhecimento e afeição. Nós dois: quanta leitura, quanta conversa, debates, estudos, pesquisas...

Riqueza acumulada que, se ficar parada, de pouco serviu. Se ficar só para nós, adianta alguma coisa sim, mas pouco: torna nossas conversas e nossos silêncios mais cheios de conteúdo.

Isto é pouco, para a humanidade.

Ah! Mas repartir nos enriquece mais porque enriquece nossos amigos.

Por isto, nos abrimos. Abrimos nossos tesouros para todos que o valorizarem e vierem buscar. Aliás, estamos até levando e entregando graciosamente, sem que precisem pedir.

Estamos à disposição da humanidade.

Carinhosamente,
Anamaria Jório e Paulo Tarcizio


 *   *   *

LIÇÃO DA MATA
(Paulo Tarcizio)


O que eu sei ensino. O que não sabia
aprendo, para depois repartir: semeio,
colho, ajunto. Somar! Porém, depois,
dividir...

‒ Doar, dar o que de melhor eu conquistei!
Esta a lição da mata, dos troncos poderosos
que concentram seiva, crescem,
apenas para, séculos depois, se deitarem,
partilhando com outras raízes sua essência vital

transfeita agora em serragem, musgos, liquens,
terra vegetal.