Na
maior calma, sem se incomodar com as reclamações dos pombos e dos pardais, sem
ligar a mínima para os ataques rasantes dos bem-te-vis, os tucanos-de-bico-verde
foram rapinando os ovos. Entraram pelos vãos das marquises da Peratur e, com
estranha gentileza – como se os bicos enormes fossem delicadas pinças –,
colhiam os ovinhos, depois levantavam a cabeça para engolir. Os pardais em
volta, agitados. Os pombos, escandalizados. No meio dos ovinhos, foram também
alguns filhotes, mais difíceis de engolir, mas uma bela fonte de proteínas.
Voaram
para a sacada do Palacete Dez de Julho. O pessoal ficou olhando: Ô louco, será
que vão entrar pela janela? Mas não entraram, voaram para o telhado da Acip, depois
foram aos cabos de alta tensão. Um deles ainda tinha que engolir alguma coisa e
fez isto à vista de todo mundo, empoleirado nos cabos sobre a rua principal da
cidade. Era de manhã, não tinha mais neblina, mas ainda estava meio frio.
Um
voou, o outro de repente voou também. Para onde foram? Um, ficou no alto do
Literário. O outro, na arvorezinha da calçada. O guarda da FAPI já está
acostumado, os dois vêm comer frutinhas, não vivem só de saquear ninhos.
Isto
deles comerem os ovos e os filhotes dos pombos e dos pardais causou uma espécie
de revolta nos circunstantes. Certo que ninguém adora muito os pombos urbanos,
nem os pardais, mas o pessoal preferia ficar fantasiando que os tucanos (ramphastus vitellinus), além de serem
portadores de uma linda plumagem e de um bico de chamar a atenção, seriam
inocentes vegetarianos. Que nada! Aquele bicão serve para outras coisas mais
sanguinárias, os espíritos mais delicados que afastem o olhar.
Antes
de estarem trepados na Prefeitura Velha, estavam empoleirados na árvore do
quintal do Museu, o jequitibá-rosa. Foram vistos lá, inicialmente. Depois
voaram para o corrimão do segundo andar do Museu. Ora essa, estavam catando os bichinhos
que ficam presos nas teias de aranha debaixo das sacadas. Fizeram uma limpeza,
paciência, a aranha não consegue comer tudo que a teia prende de noite, deixa
ali guardado... Então chegam os tucanos e fazem a colheita.
Foram
embora de repente, igual um sonho que some quando a gente acorda. Ficou a
lembrança das cores voando. Voltaram para o Bosque, onde está o ninho deles, no
oco da palmeira. Lá eles têm os ovinhos, os filhotinhos deles. E ficam sempre
rezando para o gavião-pinhé não descobrir, não querem que aconteça com a
familinha deles a mesma desgraça que eles provocam para os pombos e os pardais.
Agora
o bem-te-vi nem sei por que se meteu, não era com ele que os tucanos estavam
mexendo. Mas é que o bem-te-vi detesta esses pássaros grandes que atacam os
outros. Só de ver um gaviãozinho rodeando a cidade já vai atacando, atacando,
até o bicho pegar a reta da várzea e ir embora.
Na Natureza
não tem bonzinho não. E também não tem malvado. Todo mundo se defende, de um
jeito ou de outro. Mas foi bonito ver as pessoas assistindo às cenas ao vivo,
sem ser pela televisão.
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Texto
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Fotos
de Letícia Marques Alves, obtidas na manhã do dia 13/09/2012