Quem me obrigou à
pesada burca verde
no verão chuvoso?
Quem, no outono farfalhante,
mandou que eu me
vestisse de sépia?
Quem, severo, me
prescreveu no inverno
o piedoso retiro com
seus silêncios mortos?
Agora: não quero mais
saber.
Agora: primavera!
passarinhos! música no vento!
Agora: seiva nova
quente corre dentro de meus vasos lenhosos
e os meus botões
intumescidos, de repente, um a um,
desatam lenços
amarelos pela árvore toda!
A minha nudez se
enfeita de pétalas claras
contra o céu azul! E venha
o vento!
Que o vento erga
minhas luminosas flores desavergonhadas!
Que o vento morno
mande meu meigo aroma de fêmea madura
aos quilômetros em
derredor!
As minhas últimas
folhas pudicas joguei fora. Nua inteira,
vigorosa e quente,
sem uma folha:
sou só flores!
Sou só flores, estou
pronta:
Vem, Vida! Vem nos
grãos sagrados do pólen!
Ah! Eu me abro! eu
abro todas as minhas flores e destilo
tonta todo o néctar
doce, meu muco, meu mel,
meu licor: o meu
amor!
Eu me exponho, eu
exagero no escândalo
dos amarelos! Eu
chamo! Eu chamo todos!
Eu chamo tudo!
Venham! Venham lambuzar-se em mim
as velozes abelhas, e
as mamangavas bravas, as ferozes vespas:
Tudo lhes dou em
troca dos santos grãos de pólen
que me trazem,
pervertidas!
A todas acalmo com
minha secreção perfumada,
a todas amanso como
as mais dóceis jatis, miúdas
abelhinhas sem ferrão
– para estas reservo
o meu carinho mais
humilde...
Venham os insetos
todos,
todos me lambam,
venham borboletas, besouros!
Venham os
beija-flores, sátiros alados, pequenos faunos
incansáveis: que me
derreto! Venham as coloridas
saíras delicadas,
famintas, gentis!
Venham as noturnas
mariposas, de ousadas trombas,
e venham os escuros
morcegos impiedosos! Me comam
as cheirosas pétalas,
usem minhas flores, abusem
até da intimidade de
todos os meus ovários! Escancaro,
em festa febril,
sépalas, estames, pistilos,
anteras, filetes:
vibro nas fibras das flores
de todos os meus
ramos frágeis!
Se me dão o pólen,
lambam-me! Longamente,
línguas lépidas,
lúbricas, lisas, lambam-me os lábios
das pétalas
lânguidas, numa confusa música zonza, num
vozerio vivaz, num
zunzum...
De manhã, o solo em
torno é um tapete amarelo: milhares
de minhas flores
sucumbiram, exaustas,
e vagarosamente vão
levadas pelas formiguinhas minúsculas....
Venham... Mas tem que
ser logo! Logo não vou
querer mais, vou
dispensar, me recolher,
me despojar de tanto
amarelo,
vou me vestir de
verde...
Quando minhas raízes
beberem da bênção das primeiras chuvas,
vou estar sossegada, cuidando
da minha multidão de
sementes grávidas.
* * *
Poema
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Poema vencedor do X CONCURSO ESTADUAL DE POESIA DA OAB SP - 2015
Poema vencedor do X CONCURSO ESTADUAL DE POESIA DA OAB SP - 2015
Tabebuia é o nome científico do ipê.
Foto: descomplicando.com