Diretor de escola,
por mais de vinte anos plantei muitas árvores. Mas então eu me aposentei e fui
ser professor em outras escolas, nem sempre encontrando apoio para minha ideia
de acolher as árvores, para que elas possam mais tarde nos acolher. Aconteceu
assim numa escola municipal no Araretama. Três grandes blocos de salas, separadas por áreas
de terra dura, exposta ao sol. As crianças, durante o recreio, não tinham outra
sombra que não fosse a do galpão, que regurgitava de gente. Propus à
administração: Vamos plantar umas árvores. E ouvi: Não, árvore não dá certo! Derruba folha, entope a calha, fica uma
sujeira danada.
Comecei a expor as
vantagens das árvores, seus benefícios para a humanidade... E já fui intimamente
concluindo que estava falando bobagem: ter que explicar para educadores a
importância das árvores, ainda mais numa escola que vivia organizando festa do
verde, festa da ecologia... Ora, pensei, já sabemos tudo sobre isto, falta só
colocar em prática.
Afinal , estamos em Pindamonhangaba, a terra natal do Doutor
João Pedro Cardoso, o iniciador da festa das árvores!
Nessa época, eu
morava na Santa Luzia. Diante de casa tinha uma árvore muito viçosa, era uma
pata-de-vaca, ou unha-de-vaca, a Bauhinia
forficata. Tinha florido, toda rosa, depois derrubou a folhagem e agora estava
carregada de sementes maduras. Anamaria me contou que a vizinhança estava
tramando contra a pobre árvore, justo por causa da folhagem caduca, que todo
dia obrigava a varrição das calçadas. Então, elaborei o plano de guardar as
sementes, para que um dia elas pudessem germinar em outro lugar, de modo que
novas árvores viessem a crescer, substituindo a árvore-mãe, que provavelmente
seria cortada quando nos mudássemos.
Por belíssima
coincidência, a coordenação da escola convocou um esforço coletivo para a
semana do meio ambiente. Toda classe devia fazer um canteiro de flores diante
de sua sala de aula. As crianças começaram a trazer saquinhos com esterco. Plantamos
as flores, diariamente as crianças regavam, com garrafinhas, com regador, com a
mangueira... E as flores começaram a brotar.
Então, as sementes secretas
viajaram de minha casa até a gaveta da mesa na minha sala de aula. E um dia,
disfarçadamente, como quem examina os canteiros à cata de ervas daninhas,
enfiei uma a uma as sementes na terra molhada, debaixo dos pequenos pés de
flor. Isto, em todos os canteiros, não só no canteiro da minha classe. No meio
das margaridas, das begônias, dos cravos, debaixo de dois centímetros de terra
fofa e úmida, bem quietinhas, as sementes começaram a querer viver e foram
estufando as suas casquinhas...
Quando apontaram as
suas primeiras folhas, tão minúsculas e verdinhas, ninguém estranhou, ninguém
quis arrancar, todos pensavam que era só um pé de flor a mais. Depois de
grandinhas, não puderam mais ser arrancadas, cortadas, afinal a pregação sobre
meio ambiente tinha criado raiz, igual às arvorezinhas, os alunos não
permitiriam. Os alunos do ano seguinte também não, e assim por diante. Alguns
anos depois, visitei a escola para dar uma palestra sobre poesia para os alunos
da terceira e da quarta séries. As árvores estavam enormes, os troncos fortes,
a galharia ultrapassando a beira do telhado. Crianças estavam lanchando na
sombra das minhas árvores clandestinas.
E a pobre árvore-mãe,
como Anamaria tinha previsto, foi cortada logo depois que nos mudamos da Santa
Luzia. Passamos por lá, a calçada agora fica sempre limpinha, não tem mais nada
para incomodar as pessoas.
*
* *
Texto de Paulo
Tarcizio da Silva Marcondes
Na obra: ACONTECEU NA ESCOLA
Edição do autor –
Pindamonhangaba
224 páginas; 21 cm
ISBN 978-85-913453-0-4
1. Educação. 2. Docentes. 3.
Formação de Docentes