No terceiro ano estudei no
período da manhã com o Professor José Murillo Françoso, jovem recém-chegado de
Piracicaba. Na verdade, eram quatro professores que chegaram a Coruputuba nos
anos cinquenta: Frederico Perencin Filho, Antonio Calixto Rodrigues, José Thomé
Junior e o Prof. Murillo. A Companhia cedeu para residência temporária deles a
linda Casa Verde na beira do lago, a casa coberta de heras, que bem mais tarde
abrigou a assistência social. O
Professor Frederico veio para ser diretor da escola. Os outros, para dar aula.
O Professor Murillo era
engraçado. Muito magro, de óculos, sempre de terno escuro, às vezes vinha de
bicicleta para a escola. Certa manhã, todos os alunos já estavam em fila no
galpão, preparando-se para a sineta, e o Prof. Murillo ainda não tinha chegado.
De repente, chegou, de bicicleta, a toda. Tentou fazer a curva para entrar pelo
portão dos alunos, mas derrapou, caiu e foi com bicicleta e tudo nas ripas da
cerca. Naquele tempo os alunos não davam risada dos professores. Pelo menos
abertamente não. Imagino o que aconteceria hoje, num caso desses. Mas o
Professor Murillo nem se abalou com a queda, limpou o pó, desentortou o guidão
e entrou empurrando a coitada da bicicleta, guardou e veio fiscalizar a nossa
fila de entrada.
Os alunos ficavam perfilados,
no galpão, antes de entrar. Cada dia era uma classe que cantava. Músicas
patrióticas, ou folclóricas, tinha de tudo. Eu gostava do Hino da Escola Rural.
Muito, mas muito mais tarde, fui descobrir que o hino tinha letra de Gustavo
Kukinann e música de João Gomes Junior – este, um famoso compositor
pindamonhangabense, filho do maestro João Gomes de Araújo. No tempo da ditadura militar, a música
recebeu uma versão meio plagiada, assinada por famosos cantores sertanejos, incentivados
pelos generais de plantão. Mas a letra verdadeira é esta:
Nesta
escola modesta da roça / Rodeada de pés de café / O Brasil se levanta e remoça
/ Numa nova alvorada de fé! / Batida de sol ardente / És do saber o fanal / Que
nos guia para frente / Bendita Escola Rural! / Através da lavoura florida / Que
a riqueza da Pátria produz / Nossos pais vão lutar pela vida / E nós vimos em
busca de luz!
Batida
de sol etc..
O Prof. Murillo era um
humorista. Ensinou para a gente uma canção que nunca mais acabava, um
moto-perpétuo:
Bartolo
tinha uma flauta / A flauta do Seu Bartolo / Sua mãe sempre dizia / Toca flauta
seu Bartolo / Tinha uma flauta / A flauta do Seu Bartolo / Sua mãe sempre dizia
/ Toca flauta seu Bartolo / Tinha uma flauta... (e
assim a gente iria ad infinitum,
ninguém queria parar, precisava o Seu Frederico mandar a classe entrar – e a
classe entrava cantando...)
No entanto, o bom humor do
professor não o deixava imune aos costumes disciplinadores então vigentes. Era
a época dos castigos humilhantes. Certo dia, eu, que estudava de manhã, fui
condenado a permanecer na sala de aula uma hora a mais que os colegas. Quer
dizer, todos foram embora e fiquei em pé no fundo da sala. Então entrou a
classe do período intermediário – e era uma classe feminina. As alunas, ao
entrar, foram dando de cara com aquele menino parado feito uma estátua
envergonhada. A professora, já a par do assunto, explicou-lhes que eu estava de
castigo porque não tinha estudado. De fato, na chamada oral de ciências o
professor tinha me perguntado sobre a digestão e confundi quimo com quilo,
coisa imperdoável para um aluno de nove anos...
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Texto
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
No
livro ACONTECEU
NA ESCOLA
ISBN 978-85-913453-4