domingo, 26 de agosto de 2018

Terminando o primário



Estava terminando o ano de 1958 e estavam terminando os dias do quarto ano do grupo. Estava terminando o curso primário! Dali para frente, só uns poucos continuariam a estudar. Só quem passasse no temível peneiramento do “exame de admissão ao ginásio”.

Era um tempo em que primário e ginásio pertenciam a mundos diferentes. Professores diferentes, matérias diferentes, salários diferentes para professores, diretores, funcionários.  Formação diferente: um professor de primário tinha estudos de nível colegial: a Escola Normal. Um professor de ginásio tinha que ter curso superior. E as escolas eram separadas. Onde funcionava o primário, era só primário, com vasinhos de flores nas janelas. Onde funcionava ginásio, era só ginásio e colegial, nenhum vaso de flor.
Mas aproximava-se o final do quarto ano e eu ia deixar de ser aluno do Grupo Escolar Rural. Ia começar a viajar todo dia para a cidade, ia encontrar professores desconhecidos, colegas desconhecidos, gente da cidade, tudo novo. E ia voltar para casa quando já estivesse escurecendo. No ginásio não ia ter horta, nem mina d’água, nem canjica... Nem ia poder usar calças curtas. E, antes do ginásio, ainda tinha que passar pelo curso preparatório e pelo exame de admissão.
Nos últimos quinze dias letivos não houve aula de verdade, era todo o tempo dedicado a trabalhos manuais para a Exposição. Hoje eu diria: artesanato. Puxa vida, pensava, por que só no final do ano? Devia ter mais disto. Os alunos fazendo bolsas e cintos de barbante, trabalhos com madeira decorativos, ou utilitários, como porta-toalhas, cabides, tudo lixado, pintado, envernizado com goma arábica. As meninas bordavam panos de prato, panos para cobrir o fogão, costuravam, faziam bainhas, tricotavam. Nada mais de aulas de Linguagem, nem de Aritmética, tudo era alegria e criatividade.
A escola toda estava meio febril, excitada com duas coisas: a Exposição e a Formatura.
No último dia fomos à tarde para a escola, era o ensaio da cerimônia de formatura.  Depois, todos os colegas se foram, saindo em grupinhos, conversando, rindo e, aos poucos, se espalhando pelas ruas do bairro. Mas eu não estava com vontade de ir embora, não queria dar risada, nem conversar.  Fiquei para trás, na escola deserta, ampla, quieta. O sol da tarde fazia brilhar as árvores do pátio. A horta, lá embaixo, perto do ranchinho das ferramentas, estava invadida de capim, fazia tempo que ninguém cuidava, nas últimas semanas de aula ninguém se lembrava mais da horta, tudo tinha sido colhido.
Eu me sentei num dos bancos do galpão, olhando as andorinhas que voavam no meio das vigas do telhado. Depois deu uma tristeza, fui embora, pelo meio dos eucaliptos do campo de futebol.

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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
No livro ACONTECEU NA ESCOLA
ISBN 978-85-913453-4