domingo, 21 de abril de 2024

Faz uma loucura por mim

 


Em 2004 escrevi um conto sobre o lago do Haras, falando do tempo em que ele foi esvaziado, que sumiram as capivaras e tudo ali ficou muito triste. Pois sabe que o meu conto ganhou um belo prêmio na Secretaria de Cultura do Estado? Recebi o meu diploma de participação das mãos da atriz Leona Cavalli, no Memorial da América Latina.

Fiquei meio famosinho lá em São Paulo. E então, a Secretaria de Cultura começou a me convidar para quase todos os eventos que surgiam. E mandou me convidar para a inauguração da biblioteca da Casa das Rosas, na Avenida Paulista. Um lugar maravilhoso de lindo, na avenida mais bonita da capital.

Atendi o telefone dizendo que sim, que eu ia comparecer àquela importante inauguração, ia com minha esposa Anamaria, mas eu queria um momento na programação para declamar. Afinal, numa inauguração de biblioteca, a coisa mais certa do mundo era um poeta declamar o poema O LIVRO E A AMÉRICA, de Castro Alves.

A assessora da Secretaria da Cultura falou que sim, que muito bom eu me dispor a declamar, que ela ia ver um espaço no programa, ia encaixar com certeza, que eu ficasse sossegado.

E, no dia marcado, lá fomos eu e Anamaria, para São Paulo, escutando alguns CDs muitos bons durante a viagem. Alcione e seus grandes sucessos, como FAZ UMA LOUCURA POR MIM e outras músicas, e outros cantores.

Chegando no lugar do evento, nossa, estava tudo lotado. Fomos nos esgueirando no meio do povo, vimos que já estava lá o governador Geraldo Alckmin, o Secretário da Cultura Gabriel Chalita, que tinha sido meu colega na faculdade de direito, e mais um pessoal que eu tinha conhecido na premiação do meu conto. Mas nem deu para chegar perto deles, quanto mais conversar com eles naquela hora.

Alguém avisou, no sistema de som, que todos estavam convidados para circular pelas salas da biblioteca, para conhecer as instalações. Foi o que fizemos. E, nessas voltas, meio espremidinhos no meio das pessoas, nos encontramos com o nosso Geraldinho e pudemos conversar. Dei-lhe um exemplar do meu conto sobre o Haras e ele nos contou que já estava aprovada a verba para reconstruir a barragem que tinha sido rompida. Que era por isso que o lago tinha sido esvaziado. Mais algumas voltas e todos foram chamados para a sala principal, debaixo da escada, para a solenidade.

Aí encontrei a assessora, que veio me pedir muita desculpa e coisa e tal, porque ela já tinha conversado com o gabinete do governador e ele ia ter que sair do evento muito depressa porque tinha outro compromisso em outro lugar etc. etc. e também o Secretário Chalita precisava comparecer em outra reunião em outro bairro e - moral da história - ia ser tudo muito rápido - não ia dar para eu declamar o poema.

As autoridades já tinham começado a falar nos microfones. Tinha começado a solenidade. Fiquei meio desanimadão. Mas Anamaria segurou no meu braço e me falou: - Faz uma loucura por mim. VAI LÁ E DECLAMA.

Então deixei minha pasta com ela e, antes que o governador fosse chamado para falar, atravessei o povo, cabeça erguida, subi o primeiro lance da escada, dobrei o segundo lance, parei, olhei para o público ali embaixo e declarei em alta voz: DE ANTONIO FREDERICO DE CASTRO ALVES: O LIVRO E A AMÉRICA. E comecei: “Talhado para as grandezas, / para crescer, criar, subir / o novo mundo nos músculos / sente a seiva do porvir / ...”

Silêncio absoluto na plateia. O governador quieto, respeitoso, olhando para mim. Todos olhando para mim. Alguém, isolado, bradou: É DO TEATRO. E prossegui, até final. Vibração silenciosa mas perceptível na passagem mais conhecida: Ó bendito o que semeia / livros, livros à mão cheia, / e manda o povo pensar! / O livro, caindo n’alma, / é germe - que faz a palma! / é chuva - que faz o mar!.

Aplausos, muitos, no final. Desço os degraus para ser cumprimentado primeiro pelo governador, que me apresenta à roda dos amigos: “O Paulo é de Pinda! O Paulo é de Pinda!"

E a assessora do gabinete veio, meio risonha, me cumprimentar: Que bom que ainda deu certo, não é?

Participamos do coquetel, bastante conversa, risos, alegria... E depois, eu e Anamaria voltamos pela Dutra, ouvindo música. Música da Alcione, a famosa Marrom.

domingo, 14 de abril de 2024

Espalhando as sementes




Cada semente existe para se transformar numa planta e garantir a continuidade da sua espécie. Um caroço de abacate quer se transformar num belo abacateiro. Uma sementinha de mamão tem o destino de brotar e virar um lindo mamoeiro, e assim por diante.

 As plantas, todas elas, desde as mais pequeninas e rasteiras, até as mais gigantescas árvores, vieram aprendendo, em milhões de anos, que precisam espalhar suas sementes. Que as novas plantas não podem crescer na sombra das plantas-mãe.

Não adianta você plantar um caroço de manga na sombra da mangueira velha. A nova plantinha até vai brotar, crescer um pouco, mas não vai produzir nada na sombra da mãe. 

As plantas que mais deram certo neste mundo são as que arranjaram algum jeito de mandar suas sementes para bem longe, para espalhar a espécie para outros bairros, outros lugares, outros países. 

A paineira manda as suas sementes, redondas e pretas, umas bolinhas duras, dentro de um tufo de algodão, a paina, que vai viajando com o vento, vai longe, longe, como pequenas naves espaciais que vão aterrizando nos quintais, nos pastos e na beira das estradas. Algumas dessas sementes encontram um chão bom, úmido e brotam, formando uma nova e gigantesca paineira. 

Assim também a delicada plantinha dente de leão, que forma uma flor muito levinha, leve, que as crianças gostam de soprar e que se desmancha no ar, e os pequeninos paraquedas vão flutuando levando uma semente minúscula para ir em busca de um chão onde possa germinar. 

Na entrada principal do Shopping Pátio Pinda há uma fileira de imponentes guapuruvus, árvores enormes, que também usam o vento para espalhar suas sementes. A semente fica dentro de uma vagem que tem uma semente só, bem na ponta. Quando as vagens estão bem sequinhas e leves, elas descem girando como pequenos helicópteros, vêm descendo lá do alto dos enormes guapuruvus, e vem girando no vento, procurando um lugar para aterrizar. 

Algumas plantas atiram suas sementes com força, quando estão maduras. Daqui a alguns meses você vai estar na praça principal da cidade e vai escutar um barulho que parece um tiroteio. São as sibipirunas da Praça Monsenhor Marcondes. As flores amarelas já caíram e no lugar delas nasceram umas vagens verdes que depois amadureceram e secaram. Quando estão bem secas e as sementes dentro delas estão prontas, as vagens explodem, atirando longe as sementes rijas, fazendo barulho. A intenção da sibipiruna é esta mesma: jogar suas sementes bem longe, para que elas brotem longe da sombra da árvore mãe. 

Muitas plantas, com o passar de milhões de anos, foram inventando alguns jeitos bem espertos de mandarem suas sementes para longe. É o que acontece com as frutas, em que as sementes ficam dentro de uma polpa doce e deliciosa, que os animais procuram para se alimentar. A jabuticaba, por exemplo, é procurada pelas aves, pelos morcegos, pelos gambás, pelos macacos, pelo ser humano. Colhidas e levadas para longe, as frutinhas vão com as sementes, que caem e muitas vezes brotam onde caíram. 

Você encontra um pé de goiaba e imagina: Quem plantou? Pode ser que não tenha sido plantada de propósito, pode ser que a pessoa comeu a fruta e cuspiu a semente naquele lugar. Ou pode ser que a semente tenha sido trazida nas fezes de um passarinho ou outro animal. 

Os morcegos comedores de frutas são os mais importantes espalhadores de árvores da Mata Atlântica. Pegam frutas no meio da mata e levam para o campo, onde se dependuram no arame farpado, no mourão de cerca, numa árvore velha, e ali ficam se deliciando com a fruta e deixam cair o caroço, que brota e se transforma em mais uma árvore da mata. O trabalho que esses morcegos fazem, de reflorestamento, é tão ou mais importante que o trabalho dos passarinhos. 

Muitas vezes, na roça, você foi atravessar um pasto e depois ficou reclamando que sua roupa ficou toda grudada de carrapicho ou de picão. São as sementes dessas plantas, que pegaram uma carona nas suas roupas. Agora você vai ficar sentado na calçada, tirando as sementinhas grudentas, espinhentas. Jogou no chão? Pronto, a planta lá do meio do pasto conseguiu o que ela queria, fez você transportar as sementes dela para bem longe e quem sabe elas agora vão brotar onde você jogou, espalhando a espécie. 

Essas plantas que grudam semente na roupa das pessoas vivem de grudar as sementes no pelo dos animais no pasto. Por isto é difícil acabar com essas pragas, os animais levam as sementes para longe e essas plantas vão sempre tendo sucesso. 

Plantas que vivem na beira dos rios derrubam sementes flutuantes, que vão levadas para longe, longe, e um dia vão se encostar na margem e ali vão brotar e criar raízes, gerando uma nova planta. 

Cabe ao ser humano usar a sua inteligência para compreender a natureza, perceber que cada ser tem um papel no mundo e merece ser respeitado e admirado, jamais ser destruído.