sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

“Va, pensiero” – O poder do teatro


Na primeira metade dos anos 1800, a Itália, ainda fragmentada em diversos reinos, estava sob o domínio do Império Austro-húngaro. Várias vezes Giuseppe Verdi havia tentado apresentar peças que incentivassem a luta pela unificação e a independência. Mas a censura austríaca não permitia.
No entanto, em 1842, no Teatro Scala de Milão, Verdi estreava sua peça Nabuco. A censura austríaca havia cochilado, julgando que se tratava de uma peça religiosa,  pois era baseada no texto bíblico sobre a época em que os hebreus foram levados cativos para a Babilônia, governada por Nabucodonosor.
Terceira parte da ópera.
O coro dos hebreus acorrentados começa a cantar o Va, pensiero:

Vai, pensamento, em asas douradas,
Vai, pousa nos declives, nas colinas,
Onde exalam mornas e suaves
As doces brisas do solo natal!

Do Jordão saúda as margens,
De Sião, as torres destruídas...
Oh, pátria minha, tão bela e perdida!
Oh, lembrança tão querida e fatal!

Harpa de ouro das fatídicas profecias,
Porque estás muda, pendente do salgueiro?
A memória no peito reaviva
E nos fala de um tempo que se foi!

Ou, semelhante a Salomão nos fatos,
Suscites um som de lamento cru
Ou te inspire o Senhor uma melodia
Que traga coragem a quem padece.

Que traga coragem a quem padece
Que traga coragem a quem padece,
A quem padece traga força.

Já na segunda estrofe, o público entendeu a mensagem. Por trás da tristeza do povo hebreu, Verdi estava era falando da Itália espezinhada pelo domínio estrangeiro. As pessoas se ergueram, viraram-se de frente para as autoridades austríacas que assistiam ao espetáculo nas frisas e nos camarotes e cantaram junto com o coro dos hebreus: “uma melodia que traga coragem a quem padece...”.
Aí começou a revolução pela unificação da Itália e pela independência. A inscrição VERDI começou a aparecer nos muros. Uma homenagem ao grande compositor italiano? Sim, mas ao mesmo tempo um código de guerra: Vitor Emamuel Rei da Itália, pois era em torno desse rei do Piemonte e da Sabóia que os nacionalistas queriam se unir para fazer da Itália uma só nação.

*   *   *
Perguntaram-me há pouco sobre o que eu penso do Teatro.
Vós, artistas, que no dia a dia são muitas vezes envolvidos pela mesma realidade que nos sufoca igualmente a todos humanos, quando adentrais o palco estais subindo a um sagrado altar. O poder divinatório do palco vos transforma, para que possais também nos transformar. É o poder divinatório do palco que vos permite movimentar a sociedade, dizer o indizível, revelar o oculto, celebrar a vida, questionar os paradigmas que pareciam imutáveis.
Uma luz emana de vossas apresentações. A luz que flui de vossos corpos, de vossas vozes, de vossos olhos, é maior que os fachos de todos os canhões e holofotes do mundo.
Artistas, no palco, vós sois deuses!
*   *   *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: infoescola.com

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