Quem não viu esse
assassinato ainda pode ir lá ver, e nem precisa ir correndo. Pode ir bem
devagar, pode até deixar para ir daqui a um mês, ou um ano, que a cena do crime
não vai mudar muito. É um assassinato que está acontecendo devagar. Começou já
faz tempo, talvez há uns vinte anos e ainda faltam uns trinta ou quarenta anos
para se consumar.
Atrás do coreto, a meio
caminho até a beira do Paraíba, você vai encontrar a vítima e a assassina
abraçadas, fortemente abraçadas. Aliás, a vítima não abraça, ela se deixa
abraçar. Quem abraça mesmo com toda a força é a outra, a criminosa, por nome Ficus guaranitica. O nome da vítima eu
não sei. Ficus guaranitica? Melhor
falar o apelido, o nome vulgar: Figueira
branca, ou mata-pau.
Tudo começou quando uma
semente da figueira caiu na forquilha da outra árvore, que estava ali toda
inocente, contemplando a passagem das águas do rio. E toda inocente continuou
enquanto a sementinha da figueira germinava no meio da matéria orgânica
acumulada na forquilha. Fazendo-se também de inocente, a mudinha de figueira
foi crescendo devagar, lançando um caule para cima e raízes para baixo e para
os lados. As raízes que desciam foram procurando o solo, por dentro de uma
rachadura da árvore hospedeira. As raízes laterais foram abraçando o velho
tronco, abraçando e crescendo. Agora essas raízes abraçadeiras já deram a volta
no tronco, já se encontraram do outro lado e já se ultrapassaram. O abraço já é
mortal, não há mais esperança para a árvore hospedeira.
A figueira agora é uma
árvore jovem, cheia de vitalidade, trepada na outra. E vai crescer ainda mais,
suas raízes vão envolver completamente a vítima. Dentro de algumas décadas,
ninguém vai saber que dentro da figueira existem os restos mortais de uma velha
árvore que amparou, protegeu, forneceu abrigo e alimento – para quem acabou por
matá-la.
As pessoas mais
impressionáveis, contemplando a cena, vão achar que estão diante de um monstro
saído de um filme antigo de ficção científica. Um ser de outro planeta, feio,
com o couro liso e brilhante como o de um lagarto, ou talvez pareça uma lesma
poderosa, com tentáculos nojentos, que vai matando progressivamente, abraçando,
sugando para si a força da outra.
No livro Urupês, Monteiro Lobato fala que isto
não acontece somente com as árvores. Ele afirma que entre os seres humanos isto
também pode ocorrer.
Texto
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Fotos de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes, feitas no Bosque da Princesa, em Pindamonhangaba, no dia 17/08/2012.