terça-feira, 28 de agosto de 2012

Um assassinato no Bosque da Princesa




Quem não viu esse assassinato ainda pode ir lá ver, e nem precisa ir correndo. Pode ir bem devagar, pode até deixar para ir daqui a um mês, ou um ano, que a cena do crime não vai mudar muito. É um assassinato que está acontecendo devagar. Começou já faz tempo, talvez há uns vinte anos e ainda faltam uns trinta ou quarenta anos para se consumar.
Atrás do coreto, a meio caminho até a beira do Paraíba, você vai encontrar a vítima e a assassina abraçadas, fortemente abraçadas. Aliás, a vítima não abraça, ela se deixa abraçar. Quem abraça mesmo com toda a força é a outra, a criminosa, por nome Ficus guaranitica. O nome da vítima eu não sei. Ficus guaranitica? Melhor falar o apelido, o nome vulgar: Figueira branca, ou mata-pau.
Tudo começou quando uma semente da figueira caiu na forquilha da outra árvore, que estava ali toda inocente, contemplando a passagem das águas do rio. E toda inocente continuou enquanto a sementinha da figueira germinava no meio da matéria orgânica acumulada na forquilha. Fazendo-se também de inocente, a mudinha de figueira foi crescendo devagar, lançando um caule para cima e raízes para baixo e para os lados. As raízes que desciam foram procurando o solo, por dentro de uma rachadura da árvore hospedeira. As raízes laterais foram abraçando o velho tronco, abraçando e crescendo. Agora essas raízes abraçadeiras já deram a volta no tronco, já se encontraram do outro lado e já se ultrapassaram. O abraço já é mortal, não há mais esperança para a árvore hospedeira.
A figueira agora é uma árvore jovem, cheia de vitalidade, trepada na outra. E vai crescer ainda mais, suas raízes vão envolver completamente a vítima. Dentro de algumas décadas, ninguém vai saber que dentro da figueira existem os restos mortais de uma velha árvore que amparou, protegeu, forneceu abrigo e alimento – para quem acabou por matá-la.
As pessoas mais impressionáveis, contemplando a cena, vão achar que estão diante de um monstro saído de um filme antigo de ficção científica. Um ser de outro planeta, feio, com o couro liso e brilhante como o de um lagarto, ou talvez pareça uma lesma poderosa, com tentáculos nojentos, que vai matando progressivamente, abraçando, sugando para si a força da outra.
No livro Urupês, Monteiro Lobato fala que isto não acontece somente com as árvores. Ele afirma que entre os seres humanos isto também pode ocorrer.

Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Fotos de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes, feitas no Bosque da Princesa, em Pindamonhangaba, no dia 17/08/2012.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Aconteceu nas Taipas


Conforme narrativa do Joaquim Eugênio, foi assim que aconteceu: o Seu Joaquim Português, pai dele, estava jantando e vieram correndo avisar: “Tem gente trepado no pé de manga, derrubando tudo as manga verde!” Seu Joaquim largou do prato e foi lá fora ver. Era mesmo, tinha um homem trepado na mangueira, escolhendo as mangas. Já estava meio escurecendo, mas dava para ver o vulto. Seu Joaquim começou a falar bem calmo:
“Mas por que que você está aí? Desce daí, rapaz, nem tem manga madura! Você vai acabar derrubando as manga verde! Judiação!” Mas o rapaz não deu bola, só respondeu assim: “Vô ficá aqui memo”.
Puxa vida, o rapaz respondeu assim porque não conhecia o Seu Joaquim do Bairro das Teipa. Devia ser de uma turma de gente de fora que tinha vindo trabalhar nas obras de instalação da Confab. Ele não devia de ter respondido desse jeito para o Seu Joaquim.
Mas o Seu Joaquim não perdeu a calma e explicou direitinho para o rapaz que estava trepado na mangueira: “Olha moço, eu estou falando pra você descer e você não está ligando, e eu estava falando com educação. Então eu vou lá dentro pegar a espingarda e quero ver se você desce ou não desce”.
O rapaz continuou na mangueira, escolhendo manga, e o Seu Joaquim voltou com a espingarda e avisou: “Desce, senão eu vou dar um tiro em você”.
Mas o rapaz foi muito bobo e retrucou assim: “Quero vê!”
Foi um tiro e uma queda, o rapaz caiu de uma altura de mais de dois metros, ploft no chão, gemendo machucado. O Seu Joaquim Português explicou: “Olha moço, eu atirei porque você não quis descer. A espingarda é de um cartucho só. Então eu vou lá dentro buscar mais um cartucho que agora é pra matar você”. E foi para dentro. Quando voltou, o rapaz já tinha sumido, os colegas tinham pegado e levado embora, levaram para a Santa Casa.
De noite chegou a polícia, em dois carros. O sargento quis conversar com o Seu Joaquim, bateram um papo, depois o sargento perguntou se ele sabia de um caso que tinha acontecido ali por perto, de um homem que levou um tiro. Seu Joaquim falou: “Ah, eu sei sim, esse caso é que eu que dei um tiro nele, porque ele me desobedeceu, não queria descer da mangueira, estava judiando das mangas. Mas eu avisei pra ele que eu ia dar o tiro”.
Então o sargento o convidou para ir à delegacia, queria que ele fosse na Veraneio junto com os soldados. Mas o Seu Joaquim não se abalou, disse que ia trocar de roupa, a Veraneio podia ir indo com os soldados, ele ia junto com o sargento no Fusca. E assim aconteceu. Na delegacia o delegado conversou com ele, tomou o depoimento e no fim o dispensou, Seu Joaquim podia ir embora para casa.
Então Seu Joaquim perguntou: “E a espingarda minha?”. O delegado explicou: “Seu Joaquim, o senhor pode ir para casa, fique sossegado que a espingarda tem que ficar guardada aqui na delegacia, ela não pode sair daqui”.
Então o Seu Joaquim Português ficou nervoso: “A espingarda vai ficar aqui? Mas como que eu faço na hora que esse rapaz voltar lá, como que eu vou dar um tiro nele sem a minha espingarda?”
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Texto e foto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto da Figueira das Taipas – árvore centenária, protegida pela Lei Orgânica de Pindamonhangaba