Meu pai falava que no mês de outubro
duas coisas ficam alvoroçadas: içá e político. Bom, neste ano os políticos já
se alvoroçaram, mas as içás estão quietinhas ainda.
A seca está durando muito, então içá
não sai. Não é boba, sabe que depois do bem-bom do casamento com o sabitu nas alturas, na
hora em que ela voltar para o chão só vai encontrar terra dura que nem pedra,
que não tem jeito de cavoucar, o ferrão não aguenta. E ela precisa cavar uns
sete ou oito centímetros que sejam, para botar seus primeiros ovinhos e colocar
no chão úmido a bolotinha de fungo que ela trouxe do formigueiro-mãe.
Conheci um menino que comia a içá
crua, não sei se ele gostava do gosto ou se gostava mais do desgosto que
provocava em volta...
Eu gostava bem torradinha, com
farofa.
Poucas vezes fui no “calipero” catar
içá na boca do sauveiro. Eu e meus irmãos caçávamos as içás no meio da rua, com
um galho de amora, batendo para derrubar, mas não com muita força para não
destruir o bichinho. Daí, no chão, segurava por cima e com a unha do dedão
rancava o ferrão e jogava numa vasilha com água. Em casa terminava de fazer a
limpeza, tirando as asas e as perninhas. Depois, frigideira no fogão de lenha,
levantando um cheiro inconfundível. Quando a gente estava indo buscar água na
caixa d’água do largo, de noite, ia passando e já ia identificando em quais
casas se estava torrando içá, o cheiro denunciava mesmo.
Era gostoso comer em casa. Mas era mais gostoso ainda a gente levar um pacotinho para comer na hora do recreio. Tinha professora que condenava.
Havia uns bobos que diziam que içá come defunto, umas bobeiras. Se fosse basear
nas lições dos professores, também não podia nem chupar coquinho da igreja...
Mas tinha uns viajantes de São Paulo
que iam na farmácia (a minha irmã Ana Clara trabalhava lá) e encomendavam
quilos de içá, que era para levar para o laboratório, diziam que a içá era
fonte riquíssima de proteína.
Sei lá. Mas que a gente comia, comia
com gosto. Até a gatinha de casa aprendeu a caçar içá na rua, pulava e pegava
no ar, e comia. Sem falar da festa que era para a galinhada do quintal,
correndo atrás dos bichinhos voadores, igual hoje os moleques correm atrás de
pipa.
Agora, com tanta agricultura
industrializada, tanto combate à saúva, as içás sumiram. Antigamente caía até
na cidade. Hoje, nem na roça.
Nos EUA vendem latinhas de içá
torrada. Daqui a pouco vamos começar a importar.
* * *
Texto
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto
também do Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
belíssimo texto, prof.! leveza... gostoso de ler... fiquei fã!!!!!
ResponderExcluirbelíssimo texto, prof.! leveza... gostoso de ler... fiquei fã!!!!!
ResponderExcluirAdoro ver as pessoas catando iça.....é uma festa,crianças e adultos todos catando iça á tarde......É verdade antigamente tinha muito,hoje são raras....
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