Se fosse apenas para guardar coleções
preciosas, não seria um Museu. Seria um cofre de colecionador, para deleitar
uns poucos escolhidos.
Mas um Museu deve deleitar a muitos. Deve
encantar todos os seus visitantes. Cada pessoa que percorrer suas salas,
observar suas exposições, conversar com seus monitores – cada visitante, tocado
pelo que viu e ouviu, ao terminar uma visita, deve sair diferente da pessoa que
era ao entrar. Deve ter se tornado uma pessoa melhor. Se a visita foi bem realizada,
sairá imbuída de um sentimento de sacralidade em relação ao passado.
A visita ao Museu deve ser epifânica.
Para os visitantes do Museu Histórico e
Pedagógico Dom Pedro I e Dona Leopoldina, de Pindamonhangaba, a missão é
facilitada – justo por estar o Museu instalado num prédio mágico: o Palacete
Visconde da Palmeira.
O acervo é maravilhoso e raro. E o prédio, em
si mesmo, é a mais importante peça do acervo. Mas, independentemente da
contemplação e do estudo das exposições, a magia pode ser alcançada
simplesmente olhando-se pelas janelas. Olhando com atenção e ternura através
das janelas do Palacete, para contemplar um cenário que começou a ser montado
há milhões de anos.
Quando, na década de 1860, o construtor
Chiquinho do Gregório, sob encomenda do então Capitão Antonio Salgado Silva
(depois Barão e Visconde da Palmeira), começou a erigir o magnífico prédio hoje
intitulado Palacete Visconde da Palmeira, almejava um prédio aberto à luz solar
e com ampla visão das serras que adornam a região.
Isto, quem nos conta são as próprias linhas
arquitetônicas do solar, sua posição na topografia da cidade, seu elevado
número de janelas e, em especial, seus dois terraços voltados para o norte.
Dispondo de consideráveis recursos financeiros,
o proprietário poderia, para tal edificação, ter adquirido terrenos onde bem
lhe aprouvesse. Porém, escolheu um lote no topo da ladeira, próximo à Matriz,
com frente para o movimento da urbe que prosperava – porém, com os fundos
voltados para a tranquilidade verde da paisagem do Vale.
Essa visão é um bem público de valor
inestimável. De modo especial, o que nos encanta todos os dias, despertando nos
visitantes do Museu momentos de contemplação silenciosa, é a deslumbrante vista
que se tem da Serra da Mantiqueira, a partir dos terraços e das janelas do
andar superior. Complementa tal visão, como moldura natural, a exuberante
vegetação do Bosque da Princesa, o rebrilhante leito do Rio Paraíba do Sul, as
várzeas cujo colorido vai cambiando durante o ano em função do ciclo vegetativo
do arroz, e as árvores plantadas nas ruas e jardins da cidade, em direção ao
Crispim ou à Boa Vista.
Do terraço superior do Palacete, em dias
limpos, avistam-se quase 220 quilômetros de Serra da Mantiqueira, desde o
Maciço de Itatiaia, a leste, até o sopé da Pedra do Cume, a oeste. Sendo que,
do Palacete, o Maciço de Itatiaia dista 130 km e a Pedra do Cume 90 km. De
leste para oeste, avistamos alguns dos pontos mais elevados da região:
O
Maciço de Itatiaia, com seus picos altíssimos, entre os quais o de Agulhas
Negras (2.787m), a Pedra do Sino (2.670m), a Pedra do Altar (2.665m) e o Morro
do Massena (2.609m);
O Pico
dos Três Estados (2.665m);
A
Pedra da Mina (2.798 m), ponto culminante da Serra da Mantiqueira e do Estado
de São Paulo, entre Passa Quatro (MG) e Queluz (SP);
O Pico
dos Marins (2.420m), em Piquete (SP);
Acima
do Bosque da Princesa, o Pico do Itapeva (1.950).
O Pico
do Diamante (que, como o anterior, está dentro do município de Pindamonhangaba).;
No
trecho da Mantiqueira em Pindamonhangaba, o Morro do Trabiju, a Usina Isabel, o
caminho para o Sul de Minas, com seu túnel iluminado;
Mais à
esquerda, o Pico Agudo (1.634m), em Santo Antônio do Pinhal; e,
No
extremo oeste, as montanhas em torno da Pedra do Cume (1.600m), na divisa dos
municípios de Joanópolis (SP) e Extrema (MG).
Não são apenas as grandes altitudes, no
entanto, que estão providas de interesse. São visíveis também as passagens de
transposição de Mantiqueira, desde séculos utilizadas – e até hoje – para se
acessar as terras de Minas Gerais: a passagem do Embaú e a Garganta do
Piracuama. Estas passagens estão para sempre ligadas à nossa História. Pela
passagem do Embaú subiu o Padre Faria para ir descobrir ouro e fundar Vila Rica.
Pela Garganta do Piracuama subiu Emílio Ribas levando os trilhos a Campos do
Jordão, abrindo um caminho em busca da saúde.
Rolando suas águas no rumo leste, buscando
lentamente o mar, o Rio Paraíba do Sul tem trechos visíveis a partir do
terraço. Caminho dos bandeirantes e definidor da fertilidade da várzea, mercê
de suas cheias ritmadas há milênios, seu curso interessa a estudiosos de várias
áreas do conhecimento.
Ao contemplar o Paraíba correndo de Oeste para
Leste junto ao Bosque, num dos poucos meandros deixados pela retificação do
curso nos anos de 1960, o espectador se lembrará de que, às suas costas, o
mesmo rio está correndo de Leste para Oeste, lá no meio da Serra do Mar. Só nas
proximidades de Guararema é que o rio começa a fazer a curva para a direita,
completando essa curva em Jacareí e, a partir daí, vem descendo direto em
direção ao Estado do Rio de Janeiro.
Já a Serra da Quebra-Cangalha, apesar de ocupar
a região sul do município de Pindamonhangaba, tem um bom trecho visível do
terraço do Palacete, principalmente em direção leste. Os morros mais visíveis,
localizados em Roseira e Aparecida, despidos da vegetação nativa, contam-nos a
história da ocupação agrícola da região, marcando a passagem do café e, mais
recentemente, das pastagens para o gado leiteiro e de corte.
Um professor, falando a seus alunos sobre vales
e montanhas, rios e várzeas, entradas e bandeiras, cidades paulistas e cidades
mineiras, ocupação humana e equilíbrio ecológico – se estiver falando a partir
do que se vê das janelas e terraços do Palacete Visconde da Palmeira, estará
transmitindo informações e valores de um modo significativo, diferente das
aulas dadas apenas com a lousa e o giz.
Claro que todo Museu deve dirigir seus
visitantes ao estudo do acervo. Mas talvez seja uma boa ideia simplesmente convidar
os visitantes a contemplar a paisagem que se vê dos terraços e das janelas.
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Texto e foto de Paulo
Tarcizio da Silva Marcondes
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