sábado, 25 de setembro de 2021

Desmanchando algumas lendas urbanas

 


ESTAMOS NO PALACETE VISCONDE DA PALMEIRA

O que dizem deste Palacete é VERDADEIRO ou FALSO?

 

“A Princesa Isabel morou aqui.”

FALSO. A Princesa Isabel (29/07/1846 – 14/11/1921) morava no Rio de Janeiro, que era a capital do Império. Visitou uma vez Pindamonhangaba, com seu marido, o Conde D’Eu. Isto aconteceu no dia 14/12/1868. O casal hospedou-se no solar do Barão de Pindamonhangaba e participou de um baile comemorativo aqui neste Palacete. Na época, o futuro Visconde da Palmeira ainda era Barão.

 

“Havia uma estradinha que ligava os fundos do Palacete com o Bosque.”

FALSO. Desde que o Palacete foi construído, os terrenos entre o Palacete e o Bosque já tinham donos e moradores. Não dava para fazer uma estradinha passando por dentro do quintal das pessoas. Nem precisava, já existia a rua, perfeita ligação com o Bosque.

 

“Havia um túnel que ligava os fundos do Palacete com o Bosque.”

FALSO. Nem havia motivo para alguém ir ao Bosque passando por dentro do solo.

 

“Havia um túnel ligando o Palacete Visconde da Palmeira com o Palacete Dez de Julho (Prefeitura Velha).”

FALSO. Não havia motivo para a existência de tal túnel. Não estávamos em guerra, os últimos índios do Vale do Paraíba já tinham sido exterminados havia mais de trezentos anos. Se tivesse existido esse túnel, teriam sido encontrados vestígios quando da reforma deste Palacete. Em seguida, o Palacete Dez de Julho passou por completa restauração e nada foi encontrado ali que pudesse lembrar uma boca de túnel. Também não se encontrou nenhum vestígio de túnel quando foi escavada a Rua Deputado Claro César, em 1996, para instalação da galeria de águas pluviais.

Mas existiu sim um túnel DENTRO do Palacete, ligando a entrada das carruagens (na fachada principal) até o lugar onde hoje fica o galpão. Na época, não havia o portão do quintal, as carruagens entravam pela frente do prédio. A porta ficava onde hoje está a quinta janela a contar da porta principal.

 

“Dom Pedro I e Dona Leopoldina moraram aqui.”

FALSO. O Palacete Visconde da Palmeira começou a ser construído em meados da década de 1850. Dom Pedro I já estava falecido desde 1834. Dona Leopoldina tinha falecido antes dele, em 1826.

O Imperador e sua primeira esposa residiam no Rio de Janeiro, capital do Império. Dom Pedro I passou por Pindamonhangaba apenas uma vez, quando ainda era o Príncipe Dom Pedro. Isto aconteceu em 1822, quando o Príncipe se dirigia a São Paulo, onde acabaria proclamando a Independência. Pernoitou, de 20 para 21 de agosto daquele ano, no sobrado do Monsenhor Marcondes (onde hoje fica a loja Sonho dos Pés).

O nome Museu Histórico e Pedagógico Dom Pedro I e Dona Leopoldina foi dado como simples homenagem àquelas figuras históricas.

 

“Dom Pedro II morou aqui.”

FALSO. Dom Pedro II morava no Rio de Janeiro, capital do Império. Visitou Pindamonhangaba uma vez, em 1877. Pernoitou na residência do Visconde de Pindamonhangaba e fez uma breve visita a este Palacete em que estamos.


“A carruagem do Museu pertenceu à Princesa Isabel.”

FALSO. A carruagem pertencia a uma companhia de navegação e era usada para transportar até o Porto os passageiros que se utilizavam dos barcos que faziam a linha Lorena-Quiririm. 

 

“Aqui existe uma cadeira que foi da Princesa Isabel.”

FALSO. Não temos nenhuma cadeira que tenha pertencido à Princesa, nem que comprovadamente tenha sido usada por ela.

 

 “O Palacete é propriedade particular de uma família.”

FALSO. O Palacete pertence ao Município de Pindamonhangaba desde 1987, quando foi doado ao município pelo Governo do Estado. Antes disto, já tinha pertencido ao município, que o doou ao Estado para instalação do Ginásio Estadual.

 

“O Museu possui a coroa da Princesa e a espada de Dom Pedro.

FALSO. Tais objetos estão no Museu de Petrópolis.

 

“Os lustres e arandelas são originais.”

FALSO.  Estes lustres, em sua maior parte, foram adquiridos em São Paulo e instalados por ocasião da reforma do prédio. Alguns foram instalados no tempo do Ginásio Estadual. Devemos lembrar que não existia rede de energia elétrica na época em que o Visconde da Palmeira morava aqui.

 

“O piso é original. Os ladrilhos vieram da Europa. As pinhas de louça são originais.”

FALSO. Os assoalhos são todos recentes, instalados no final da década de 1990. No tempo do Ginásio a maior parte dos assoalhos já tinha sido trocada por tacos. Os ladrilhos atuais são reprodução dos originais.  Algumas das peças de mármore do piso do saguão são originais, vindos de Carrara, na Itália. As pinhas atuais foram fabricadas em Cachoeira Paulista no final da década de 1990. A escada lateral é original, fabricada com pinho de riga.


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Texto e foto: Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

O RIO QUE PASSA PELO BOSQUE TEM PRESSA. ESTÁ VIAJANDO


O solo que pisamos no centro da cidade de Pindamonhangaba fica 559,01m mais alto do que as praias do nosso litoral. O município de Areias, em sua zona rural, fica bem mais alto: 1.800m. Lá nasce o Rio Paraitinga, um dos formadores do Rio Paraíba do Sul. A partir de certo trecho,  suas águas vão correndo paralelas às do Rio Paraibuna, que nasce no Bairro da Aparição, em Cunha, a 1.600 m de altitude.

O Paraitinga percorre pastagens e lavouras, chega a Sao Luiz todo barrento e vermelho. Mas o Paraibuna se preserva, corre por dentro da Mata Atlântica, pelos recantos secretos dos trechos mais altos da Serra do Mar, na sombra das árvores, sempre passando bem perto da cumieira que o separa da vertente virada para o oceano. Assim, as águas do Paraibuna sao frias, límpidas, a mata nao joga  barro nele, apenas deixa correr para o Paraibuna uma água transparente,  cor de conhaque, fruto da  decomposição dos restos vegetais da floresta. 

As águas dos dois rios vêm procurando jeito de descer da Serra da Bocaina, e seu encontro acontece na represa de Paraibuna. Descem da barragem já com o nome definitivo de Rio Paraíba do Sul. Prosseguem na descida, dando voltas. Passam em Santa Branca, onde são detidas de novo na bela Represa de Santa Branca (Ô pescarias!) e vão indo rumo oeste, em direção à Capital. Milhares de anos atrás, despejavam no Tietê. Mas o solo se movimentou. Nossa região afundou. As águas do Paraíba desistiram do Tietê e fizeram uma curva para a direita, mais ou menos em Guararema, onde as montanhas brecam e desviam seu rumo para que desçam em direção ao Vale. Agora passam em Jacareí no sentido sul-norte, já completando a curva para a direita, e em São José dos Campos estão correndo francamente  para leste! Ou seja: mudaram de direção! 

E engrossaram, com as águas do Rio Jaguari e do Rio do Peixe, misturadas na Represa de Igaratá. E mais as águas do Buquira, apressadas, descendo da Mantiqueira. Vão procurando o mar, passam rápidas por Caçapava, nao visitam a zona urbana de Taubaté porque passam mais ao norte, entre Quiririm e a Mantiqueira. Atravessam as várzeas de Tremembé e de  Pindamonhangaba, onde recebem as frias águas do Ribeirão Grande ou Tetequera, que nasceu nas altitudes da Mantiqueira. Seguem por Potim e Roseira. Fazem mais caprichosos os seus meandros na planície de Aparecida. Passam apertadas na zona urbana de Guaratinguetá e espalham-se nas várzeas de Lorena. Encachoeiram-se em Cachoeira(!). Passam em Cachoeira, espremidas,  pelo único  e possível corredor, quase um buraco, entre as Serras da Mantiqueira e a da Bocaina. 

De fato, ali passam as águas entre monstros morros a apertar o rio pelos dois lados!, sem várzeas laterais. É onde, há milhares de anos, o amplo e profundo lago que cobria a nossa região, num grande tremor de terra, estourou os obstáculos e vazou para o hoje estado do Rio de Janeiro. Na estação de trem em Cachoeira, olhe para leste. Você verá esse vestígio de um tétrico cataclismo. Imagine o estrondo do rompimento e o tamanho da cachoeira de vazamento do lago. E os anos que durou esse reequilíbrio das águas! Não se assuste muito. Na época, não havia aqui humanos para se assustarem.

Mas ainda falta chão para despejarem no Atlântico. Ainda as águas seráo detidas na Represa do Funil. E o encontro com o mar? Isto só vai acontecer lá em Atafona, município de São João da Barra, no estado do Rio, quase divisa com o Espírito Santo. 1.100km desde a nascente em Areias. Nasceu tão perto do mar, mas teve que dar uma volta imensa antes de se jogar no oceano! É assim mesmo. A Serra do Mar é uma muralha, não ia deixar o Paraitinga ou o Paraibuna vararem e já despejarem nas praias de Ubatuba. 

Pensando o quê? Rios que quiserem despejar em Ubatuba, em Caraguatatuba, só se nascerem na vertente da Serra virada para o mar: Rio Picinguaba, Rio da Fazenda, Rio Itamambuca, Rio Promirim, Rio Puruba, Santo Antonio ou do Ouro, Indaiá, Juqueriquerê (no meu querido Porto Novo)..esses sim! Nascem e já descem encachoeirados pelo meio das pedras, chamados pelo mar. Quando chegam perto, disfarçam, perderam a pressa, se espalham mansos pelos manguezais...
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Texto de Paulo Tarcizio 
Foto de Lucio Mello Cesario