O solo que pisamos no centro da cidade de Pindamonhangaba fica 559,01m mais alto do que as praias do nosso litoral. O município de Areias, em sua zona rural, fica bem mais alto: 1.800m. Lá nasce o Rio Paraitinga, um dos formadores do Rio Paraíba do Sul. A partir de certo trecho, suas águas vão correndo paralelas às do Rio Paraibuna, que nasce no Bairro da Aparição, em Cunha, a 1.600 m de altitude.
O Paraitinga percorre pastagens e lavouras, chega a Sao Luiz todo barrento e vermelho. Mas o Paraibuna se preserva, corre por dentro da Mata Atlântica, pelos recantos secretos dos trechos mais altos da Serra do Mar, na sombra das árvores, sempre passando bem perto da cumieira que o separa da vertente virada para o oceano. Assim, as águas do Paraibuna sao frias, límpidas, a mata nao joga barro nele, apenas deixa correr para o Paraibuna uma água transparente, cor de conhaque, fruto da decomposição dos restos vegetais da floresta.
As águas dos dois rios vêm procurando jeito de descer da Serra da Bocaina, e seu encontro acontece na represa de Paraibuna. Descem da barragem já com o nome definitivo de Rio Paraíba do Sul. Prosseguem na descida, dando voltas. Passam em Santa Branca, onde são detidas de novo na bela Represa de Santa Branca (Ô pescarias!) e vão indo rumo oeste, em direção à Capital. Milhares de anos atrás, despejavam no Tietê. Mas o solo se movimentou. Nossa região afundou. As águas do Paraíba desistiram do Tietê e fizeram uma curva para a direita, mais ou menos em Guararema, onde as montanhas brecam e desviam seu rumo para que desçam em direção ao Vale. Agora passam em Jacareí no sentido sul-norte, já completando a curva para a direita, e em São José dos Campos estão correndo francamente para leste! Ou seja: mudaram de direção!
E engrossaram, com as águas do Rio Jaguari e do Rio do Peixe, misturadas na Represa de Igaratá. E mais as águas do Buquira, apressadas, descendo da Mantiqueira. Vão procurando o mar, passam rápidas por Caçapava, nao visitam a zona urbana de Taubaté porque passam mais ao norte, entre Quiririm e a Mantiqueira. Atravessam as várzeas de Tremembé e de Pindamonhangaba, onde recebem as frias águas do Ribeirão Grande ou Tetequera, que nasceu nas altitudes da Mantiqueira. Seguem por Potim e Roseira. Fazem mais caprichosos os seus meandros na planície de Aparecida. Passam apertadas na zona urbana de Guaratinguetá e espalham-se nas várzeas de Lorena. Encachoeiram-se em Cachoeira(!). Passam em Cachoeira, espremidas, pelo único e possível corredor, quase um buraco, entre as Serras da Mantiqueira e a da Bocaina.
De fato, ali passam as águas entre monstros morros a apertar o rio pelos dois lados!, sem várzeas laterais. É onde, há milhares de anos, o amplo e profundo lago que cobria a nossa região, num grande tremor de terra, estourou os obstáculos e vazou para o hoje estado do Rio de Janeiro. Na estação de trem em Cachoeira, olhe para leste. Você verá esse vestígio de um tétrico cataclismo. Imagine o estrondo do rompimento e o tamanho da cachoeira de vazamento do lago. E os anos que durou esse reequilíbrio das águas! Não se assuste muito. Na época, não havia aqui humanos para se assustarem.
Mas ainda falta chão para despejarem no Atlântico. Ainda as águas seráo detidas na Represa do Funil. E o encontro com o mar? Isto só vai acontecer lá em Atafona, município de São João da Barra, no estado do Rio, quase divisa com o Espírito Santo. 1.100km desde a nascente em Areias. Nasceu tão perto do mar, mas teve que dar uma volta imensa antes de se jogar no oceano! É assim mesmo. A Serra do Mar é uma muralha, não ia deixar o Paraitinga ou o Paraibuna vararem e já despejarem nas praias de Ubatuba.
Pensando o quê? Rios que quiserem despejar em Ubatuba, em Caraguatatuba, só se nascerem na vertente da Serra virada para o mar: Rio Picinguaba, Rio da Fazenda, Rio Itamambuca, Rio Promirim, Rio Puruba, Santo Antonio ou do Ouro, Indaiá, Juqueriquerê (no meu querido Porto Novo)..esses sim! Nascem e já descem encachoeirados pelo meio das pedras, chamados pelo mar. Quando chegam perto, disfarçam, perderam a pressa, se espalham mansos pelos manguezais...
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Texto de Paulo Tarcizio
Foto de Lucio Mello Cesario
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