domingo, 12 de fevereiro de 2012

A televisão em Coruputuba


Primeiro, a gente sabia que tinha televisão no Chalé. Mas isto era fora da nossa imaginação. A primeira antena de TV que pudemos ver - bem no alto de uma torre - foi na casa do Seu Fonseca. Mas ali ninguém entrava. A gente só podia mesmo ver era a enorme antena, enquanto aguardava na fila para pegar leite na Fazenda.

Mas então o Seu Enéas comprou televisão! Que alegria! Alguém da nossa rua tinha televisão! Lembrando, o Seu Enéas era irmão do Seu Alcindo, que era o "Prefeito" de Coruputuba. Seu Enéas era casado com Dona Sinhá. Seus filhos eram a Dagmar, o Valdemar e a Maria Amélia.

Seu Enéas − agora entendemos − era um Homem Bom. A criançada da rua começou a lotar a calçada, para ver a televisão pela janela. Mas não dava muito certo, entre a cerca e a janela havia o jardinzinho. Então o Seu Enéas deixava a gente entrar no jardinzinho para ficar de nariz colado na vidraça, vendo aquelas imagens em preto e branco, uma luz azulada...


Depois de um tempo, o Seu Enéas já deixava a gente entrar na sala. A porta ficava escancarada, quem chegasse entrava e ia sentando no sofá. Se já estivesse lotado, a gente sentava no chão. E ficava vendo: Rin-Tim-Tim, Bonanza, O Homem de Virgínia, O Fugitivo, I love Lucy... Eu adorava as propagandas. Tinha a propaganda das Cestas de Natal Amaral: "Acaba de chegar / no meu lar / a cesta de natal / Amaral / Bom Natal / Bom Natal!" E a dos Cobertores Parayba: "Já é hora de dormir / não espere mamãe mandar / um bom sono pra você / e um alegre despertar"...

Dona Sinhá quase não falava com a gente. Parecia que a gente estava incomodando... Nossa, vejam o que eu disse! É claro que a gente incomodava muito! Apesar de que a gente ficava quase quieta. A não ser quando a coisa ficava muito engraçada. Um dia o canal saiu do ar e alguém falou: A televisão saiu do vento...

E, numa noite de muito calor, a Dona Sinhá trouxe para a sala uma jarra cheia de limonada gelada (naquela casa havia geladeira!). Todos ficamos meio espantados e emocionados com aquela delicadeza: éramos uns entrões invadindo o lar – e ainda ganhávamos limonada!

Canais? Eram só a TV Tupi, canal 4, e a TV Rio, Canal 13. Este canal então fazia um barulhão, um ronco feio, principalmente quando a imagem tinha muita área branca.

Mais tarde, o clube da Industrial comprou um aparelho de TV, que foi instalado no salão de baile, em cima da leiteria.


Vovó viu a TV
Minha vovó Ana Emília só foi ver um aparelho de TV quando finalmente nós compramos, na Casa Farah. Vovó ficava vendo os programas (sem parar de manusear o terço...) e um dia eu perguntei a ela se a TV realmente era do jeito que ela pensava que era antes de conhecer.

Então ela respondeu que não. Que antes ela pensava que a TV era uma coisa fina, como um quadro que fosse possível pendurar na parede. Ela não imaginava que seria uma coisa mais parecida com uma caixa (naquele tempo, um caixote...).

Puxa vida, Vovó! Já se passaram tantos anos, tantos... e agora estão aparecendo umas tvs fininhas que nem as que a senhora imaginava!

Quando eu perguntei isto eu era um rapazinho de dezessete anos.
Envelheço quando lembro.

  *   *   *

Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: antenadireta.wordpress.com
Foto das casas: A casa mais próxima era do Seu Enéas. A segunda, da Dona Basta. A terceira, do Seu Sebastião Leite. Foto de Luciano R. Oliveira, em Panoramio, Google Earth

2 comentários: