sexta-feira, 25 de maio de 2012

Não é preciso temer o trabalho



Desde os seis ou sete anos eu já participava da divisão das tarefas de casa. Havia uma escala envolvendo todos os irmãos, definindo a arrumação da casa, a lavagem das louças, a varrição do quintal, o trato das galinhas, o buscar água no Largo, buscar leite na fazenda, lenhar. 
Alguns anos depois, quando eu tinha uns quatorze anos, o rol foi ampliado porque chegaram o porco, a cabra, os coelhos – e tinham que ser tratados, era preciso cortar capim, construir os chiqueiros, os ranchos, os galinheiros, os pinteiros. Era preciso cuidar da horta, buscar esterco, misturar a terra, alinhar as leiras, preparar as sementeiras, fazer o transplante das mudas, gerenciar os pés de chuchu junto às cercas dos vizinhos. Pedi para Vovó e ela me ensinou a fazer arroz e feijão, aprendi a controlar o fogo no fogão a lenha, a bater bolos e preparar broas para aproveitar o calor do forno. 
Logo aprendi também a transformar os animais do quintal em saborosos pratos para a mesa da família. Fiquei hábil em todas as etapas, desde a matança até o preparo das carnes e miúdos. Estas tarefas eu as executava às vezes sozinho, outras vezes em dupla ou em trio com o Pedro (nas tarefas mais pesadas), ou com o Zaga, ou com o Bosco. Com o Carlos não tinha jeito, ele já trabalhava desde os quinze anos na Companhia: primeiro na Sacaria, depois no Escritório. A Ana Clara, também desde os quinze, trabalhava na Farmácia. As outras meninas eram muito pequenas ainda.
E eu me sentia feliz participando do esforço para manter o lar, além de estudar bastante para garantir o êxito na escola.
Aos quatorze anos dediquei minhas tardes, durante as férias escolares, para fazer trabalho voluntário no Ambulatório, preenchendo as fichas de atendimento médico aos moradores, para agilizar o trabalho do Dr. Lessa, do Dr. Caio, do Dr. Chiquinho. Assim, eu também ajudava a diminuir um pouquinho a carga de trabalho da Ana Clara.
E eu me sentia muito feliz, entrevistando os pacientes e preenchendo as fichas na salinha do Ambulatório, de costas para a janela que abria para o Escritório, onde trabalhava o meu irmão.
Quando estava na quarta série do ginásio – hoje seria a oitava série – fiz o curso de datilografia com a Dona Semíramis. No ano seguinte, com dezessete anos, cursava de manhã a Escola Normal (porque era um curso que ia me garantir emprego) e à tarde comecei a trabalhar na Associação Rural, em cima da Leiteria, no início da Av. Cel. Fernando Prestes. Meu trabalho era preencher as guias de recolhimento de impostos e fazer outros serviços para os fazendeiros associados, além de preparar os livros da entidade, redigir as atas e cuidar da correspondência. Cuidei pessoalmente das tramitações burocráticas para transformar a Associação em Sindicato Rural. Levei o Bosco para cuidar da limpeza do prédio e nós dois assumimos também a tarefa de misturar ração para os criadores de coelho, que tinham sido recentemente acolhidos pela Associação. O salão de reuniões, nessas tardes, ficava tomado de uma névoa verde: era o pó de alfafa que estávamos misturando com as farinhas e farelos de soja, de aveia, de arroz, de carne, de osso etc.
E eu me sentia feliz por estar convivendo com os fazendeiros, com o pessoal que cuidava de vacas, de boi, de arroz. Eu sentia que estava contribuindo para o sucesso da atividade de produzir alimentos para o país.
Quando completei vinte anos já estava lecionando para as crianças na escola de Coruputuba. Aos vinte e um, era professor de manhã, mas era metalúrgico à tarde e à noite, pois comecei a trabalhar na AISA. À meia-noite tocava a sirene de encerramento do turno, eu batia o cartão, montava na bicicleta e voltava para Coruputuba pelo meio dos eucaliptos. Às oito da manhã já estava na escola, dando aula até o meio-dia. Almoçava, estudava para o concurso que iria me efetivar como professor do Estado, pegava a bicicleta e às quinze horas já estava de novo sendo metalúrgico na fábrica. Aproveitava o intervalo da janta para jogar palitinho com os colegas, falar de futebol e aprender piadas que não poderiam ser repetidas na sala dos professores.
E eu me sentia muito feliz por estar trabalhando em dois segmentos diferentes da sociedade: a educação e a indústria. Nas duas atividades eu trabalhava direito e me sentia bem com os resultados.
Quando eu passava de noite pelo meio do eucaliptal, o curiango, deitado na beira do caminho, esperava que eu passasse e então erguia voo para me alcançar quase roçando a minha cabeça – e ia sentar-se de novo bem lá na frente. Então esperava novamente que eu passasse para de novo se levantar, me alcançar etc. É por isto que os roceiros chamam a este pássaro de mede-léguas. Quando ele passa sobre a cabeça dos caminhantes noturnos, alguns ficam amedrontados, pensam em almas do outro mundo. Mas o curiango dos eucaliptos não me dava medo, eu não tinha medo de assombração.
E nem de trabalho. Graças a Deus, eu nunca tive medo de trabalho. Nem eu, nem os meus irmãos.

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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: alagoinhaipaumirim.blogspot.com

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