Desde
os seis ou sete anos eu já participava da divisão das tarefas de casa. Havia
uma escala envolvendo todos os irmãos, definindo a arrumação da casa, a lavagem
das louças, a varrição do quintal, o trato das galinhas, o buscar água no
Largo, buscar leite na fazenda, lenhar.
Alguns
anos depois, quando eu tinha uns quatorze anos, o rol foi ampliado porque
chegaram o porco, a cabra, os coelhos – e tinham que ser tratados, era preciso
cortar capim, construir os chiqueiros, os ranchos, os galinheiros, os
pinteiros. Era preciso cuidar da horta, buscar esterco, misturar a terra,
alinhar as leiras, preparar as sementeiras, fazer o transplante das mudas,
gerenciar os pés de chuchu junto às cercas dos vizinhos. Pedi para Vovó e ela
me ensinou a fazer arroz e feijão, aprendi a controlar o fogo no fogão a lenha,
a bater bolos e preparar broas para aproveitar o calor do forno.
Logo
aprendi também a transformar os animais do quintal em saborosos pratos para a
mesa da família. Fiquei hábil em todas as etapas, desde a matança até o preparo
das carnes e miúdos. Estas tarefas eu as executava às vezes sozinho, outras
vezes em dupla ou em trio com o Pedro (nas tarefas mais pesadas), ou com o
Zaga, ou com o Bosco. Com o Carlos não tinha jeito, ele já trabalhava desde os
quinze anos na Companhia: primeiro na Sacaria, depois no Escritório. A Ana Clara,
também desde os quinze, trabalhava na Farmácia. As outras meninas eram muito
pequenas ainda.
E
eu me sentia feliz participando do esforço para manter o lar, além de estudar
bastante para garantir o êxito na escola.
Aos
quatorze anos dediquei minhas tardes, durante as férias escolares, para fazer
trabalho voluntário no Ambulatório, preenchendo as fichas de atendimento médico
aos moradores, para agilizar o trabalho do Dr. Lessa, do Dr. Caio, do Dr.
Chiquinho. Assim, eu também ajudava a diminuir um pouquinho a carga de trabalho
da Ana Clara.
E
eu me sentia muito feliz, entrevistando os pacientes e preenchendo as fichas na
salinha do Ambulatório, de costas para a janela que abria para o Escritório,
onde trabalhava o meu irmão.
Quando
estava na quarta série do ginásio – hoje seria a oitava série – fiz o curso de
datilografia com a Dona Semíramis. No ano seguinte, com dezessete anos, cursava
de manhã a Escola Normal (porque era um curso que ia me garantir emprego) e à
tarde comecei a trabalhar na Associação Rural, em cima da Leiteria, no início
da Av. Cel. Fernando Prestes. Meu trabalho era preencher as guias de
recolhimento de impostos e fazer outros serviços para os fazendeiros
associados, além de preparar os livros da entidade, redigir as atas e cuidar da
correspondência. Cuidei pessoalmente das tramitações burocráticas para
transformar a Associação em Sindicato Rural. Levei o Bosco para cuidar da
limpeza do prédio e nós dois assumimos também a tarefa de misturar ração para
os criadores de coelho, que tinham sido recentemente acolhidos pela Associação.
O salão de reuniões, nessas tardes, ficava tomado de uma névoa verde: era o pó
de alfafa que estávamos misturando com as farinhas e farelos de soja, de aveia,
de arroz, de carne, de osso etc.
E
eu me sentia feliz por estar convivendo com os fazendeiros, com o pessoal que
cuidava de vacas, de boi, de arroz. Eu sentia que estava contribuindo para o
sucesso da atividade de produzir alimentos para o país.
Quando
completei vinte anos já estava lecionando para as crianças na escola de
Coruputuba. Aos vinte e um, era professor de manhã, mas era metalúrgico à tarde
e à noite, pois comecei a trabalhar na AISA. À meia-noite tocava a sirene de
encerramento do turno, eu batia o cartão, montava na bicicleta e voltava para
Coruputuba pelo meio dos eucaliptos. Às oito da manhã já estava na escola,
dando aula até o meio-dia. Almoçava, estudava para o concurso que iria me
efetivar como professor do Estado, pegava a bicicleta e às quinze horas já
estava de novo sendo metalúrgico na fábrica. Aproveitava o intervalo da janta
para jogar palitinho com os colegas, falar de futebol e aprender piadas que não
poderiam ser repetidas na sala dos professores.
E
eu me sentia muito feliz por estar trabalhando em dois segmentos diferentes da
sociedade: a educação e a indústria. Nas duas atividades eu trabalhava direito
e me sentia bem com os resultados.
Quando
eu passava de noite pelo meio do eucaliptal, o curiango, deitado na beira do
caminho, esperava que eu passasse e então erguia voo para me alcançar quase
roçando a minha cabeça – e ia sentar-se de novo bem lá na frente. Então
esperava novamente que eu passasse para de novo se levantar, me alcançar etc. É
por isto que os roceiros chamam a este pássaro de mede-léguas. Quando ele passa
sobre a cabeça dos caminhantes noturnos, alguns ficam amedrontados, pensam em
almas do outro mundo. Mas o curiango dos eucaliptos não me dava medo, eu não
tinha medo de assombração.
E
nem de trabalho. Graças a Deus, eu nunca tive medo de trabalho. Nem eu, nem os
meus irmãos.
* * *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: alagoinhaipaumirim.blogspot.com
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