Piscininhas
cavadas na areia, bem junto ao mar. Cavadas com os pés, é mais confortável.
Tudo para podermos ficar cada um em pé no centro de uma pocinha e, a um sinal,
trocarmos de posição. É o que Yasmin quer, mas o vovô aproveita e vai testando
canais e transposições, fazendo o conteúdo vazar para a escavação vizinha e
desta para a próxima. Yasmin não concorda com essas engenharias, que servem só
para desviar a atenção da brincadeira principal.
Súbito,
a maré chega, arrasando nossas construções e ficamos ali, repreendendo
brandamente a natureza: “Ah, marzinho,
por que você está fazendo isto... Olha, ondinha, vem cá, eu dou comidinha para
você...” E ela se põe a alimentar as ondas: enche a mão com um bolo de
areia molhada e vai distribuindo pequenas porções para cada uma, decidindo o
bocado de conformidade com o tamanho da onda. Ondinhas pequenininhas ganham um
teco invisível de comidinha, espremidinha no não-espaço dos dedinhos apertados.
Mas
agora mudou, vai ser a aposta de corrida paralela ao mar. Os pontos de partida
e de chegada são locados (um palito de sorvete, uma tampinha de pet, coisinhas
assim). Já se sabe que o vovozinho jamais chegará em primeiro. Começa que
Yasmin sabota o sinal de partida. Conta, aos gritos: “Um... dois... três...! ” Mas disparou correndo no “dois”, sendo que
todos os outros concorrentes (quer dizer, o vovô) ficaram aguardando o “e já”,
que não aconteceu.
Isto
se repete umas dez vezes. Na corrida, o vovô sempre se mantém uns dois passos
atrás da pequena e também se mantém numa linha paralela: não vá o bichinho
tropeçar e o vovô cair em cima!
A
seguir, a premiação. Já que o vovô sempre perde, ele fica responsável pela
cerimônia. Em altos brados, diante da praia, anuncia, apontando a netinha: “Medalha
de ouro! ”. Seguem-se risadas e abraços comovidos.
Na
próxima bateria, ela ganha de novo! Mas a qualidade das medalhas vai
decaindo, os recursos são limitados, estamos sem patrocinador. O anúncio
continua solene. Apontando a campeãzinha: “Primeiro lugar! Medalha de pau! ”
Seguem-se
medalhas de outras substâncias e consistências: medalha de bolacha, medalha de
areia, medalha de água, medalha de ventania etc. Ressalte-se que todas essas
premiações são completadas por abraços muito efusivos e sorrisos muito abertos.
A
prova mais radical acontece só uma vez: quando os dois estão descendo para o mar,
deixando as barracas. Esse trajeto é em declive, através da “praia da farofa”,
que é o trecho de areia grossa e solta. Yasmin sempre ganha ali também,
lançando mão de várias formas de sabotagem e corrupção. “Olha ali, vovô! ” – e enquanto
o vovô olha, e não tinha nada para olhar, ela já disparou dando gargalhadas.
De
tudo que narramos, pode ficar a impressão de que o vovô é facilmente comandado
pela netinha. Mas não é bem assim. Por exemplo, quando o vovô está tomando
cerveja na barraca, não se deixa arrastar facilmente pelos chamados da pequena.
Insensível, responde-lhe na cara dura: “Ah, agora não dá, meu Sirimim, deixa o
vovô conversar um pouco com a mamãe e a vovó...”
Mas
Yasmin não se intimida diante de tanta brutalidade. Encosta-se lateralmente na
mesa, vem deslizando para mais perto, olha bem nos olhos do vovô e murmura: “Pur
favor, vovozinho...”
Então
o vovô se levanta, engole o resto da cerveja e grita: “Corrida na praia da
farofa! O último é mulher do padre! ”.
Sabendo
que vai perder de novo.
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Texto
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Fotos
de Anamaria Jório Rodrigues Marcondes