Houve um dia, talvez um domingo, em que a nossa família saiu quase inteirinha numa excursão pelo bairro. Em casa só ficaram a Vovó com a Auxiliadora, que era bebê. A Salete ainda não tinha nascido.
E qual o motivo daquela excursão? Era procurar a fonte. Papai já tinha ouvido falar que ela ficava no mato, na direção da estaçãozinha, pra lá da Vila Esperança.
Água em Coru a gente já tinha, nas torneiras, mas era uma água que precisava passar pelo filtro. Quando chovia forte o Papai aparava no barril a água da bica do telhado e depois passava pelo filtro: pronto, ficava boazinha para beber.
Mas para beber direto sem filtrar tinha que ser água boa da cacimba da Tia Cida ou da cacimba do Seu Eurico. Também podia buscar água limpinha na caixa d’água do Largo, levando os garrafões. Mas agora a gente tinha cismado que a melhor água de beber tinha que ser a água da fonte, que a gente nem sabia onde ficava.
Então saímos todos juntos para procurar a fonte no meio do mato. Papai e mamãe, e o Carlinho e a Ana Clara também, já estavam até levando garrafão para trazer a famosa água da fonte.
Sair todo mundo junto era uma coisa muito rara e era uma felicidade que não cabia dentro da gente. Sair com papai a gente já estava acostumado, perto do Natal, para procurar parasitas no calipeiro, para o presépio.
Sair todo mundo junto, até com a Vovó, só de vez em quando, para ir a Aparecida de trem. Aí a festa era maior.
Nesse dia de descobrir a fonte foi maravilhoso porque a gente ia indo mas ninguém sabia aonde a gente ia, nem o Papai, que era o nosso chefe. Ô festa! Só brincadeira!
Fomos acompanhando a linha do trem da fábrica até chegar na Vila Pajé, entramos pelo meio dela, fomos pela Vila Esperança até o final, às vezes parando em alguma casa e o meu pai perguntava onde que ficava a fonte. Ninguém sabia. - Nossa, Professor, nós não sabe.
Atravessamos o campinho da Vila Maria, fomos passando pelas casas e o Papai ia perguntando. Todo mundo conhecia o meu pai, por causa da igreja e por causa da escola. Mas ninguém conhecia a tal de fonte.
Aí entramos pelo calipeiro atrás da Vila Aimoré. Mandaram a gente perguntar na casa do Seu Juquinha, que ficava mais no meio do mato. Demorou mas a gente achou a casinha, tinha uma cabrita pastando e umas galinhas d’angola. Não vimos ninguém. Mamãe bateu palmas, nós também, era uma farra! Papai gritou: Ó de casa! Nós gostamos disso e também começamos a gritar: Ó de casa!
Nunca a gente tinha escutado ninguém gritar ó de casa.
Daí, lá do fundo do quintal veio vindo o Seu Juquinha, que quando viu a gente, tirou o chapeuzinho e falou assim: Louvado Seja Nosso Senhor Jesuis Cristo!
Pai, Mãe, Ana Clara, Carlinho responderam: Pra sempre seja louvado.
E aí o pai começou a conversar com o Seu Juquinha, explicando que a gente estava procurando a fonte que diziam que tinha ali por perto. Seu Juquinha parece que não entendeu direito. A mãe falou assim que diziam que a água era muito boa de beber.
Aí o Seu Juquinha fez uma cara bem contente e falou:
- Ah! É a mina! É a mina d’água! É aqui pertinho. Vamo lá que eu levo vocês na mina.
E o Seu Juquinha foi indo, conversando com Papai e nós todos fomos indo atrás, todo mundo contente. Anda que anda, saímos da sombra do calipeiro e entramos no capinzal, o capim gordura bem alto, mas tinha uma picadinha bem batida, a gente viu que bastante gente passava por ali todo dia.
Começamos a escutar o glu-glu-glu da água. De repente chegamos, um cano grosso jogava bastante água num cercadinho de tijolo. Em volta, era barro de terra preta. Todo mundo bebeu água direto da bica, depois Papai encheu os garrafões.
O Pedro falou: Nossa, gostosa a água da fonte, né Pai?
E o pai corrigiu: É água da mina, né Seu Juca?
Seu Juquinha deu risada: É professor, aqui todo mundo fala mina. Se falar fonte ninguém sabe que bicho que é!
Bom, os anos se passaram. Seu Juquinha nunca ficou sabendo, mas em casa, quando a gente ia falar dele, a gente só falava:
- O Seu Juquinha da Fonte.
E então algum de nós brincava:
- Ó de casa!
Anos mais tarde, voltamos a visitar o Seu Juquinha, mas então ele não morava mais no calipeiro atrás da Vila Aimoré. Tinha mudado para um lugar perto da Vila Figueira. Fomos lá para levar a cabrita para pegar cria com o bode dele. Para nós, aquele homem tão educado ficou sendo para sempre o Seu Juquinha da Fonte.