Nossa!
Dez a zero para o Papai Noel! Tadinho do Menino Jesus, já teve seus dias
de glória. A imagem de Menino Jesus com os bracinhos abertos? Agora, só nas
igrejas mesmo. E só nas católicas, porque as igrejas evangélicas não curtem
imagens. Mas, nas vitrines das lojas da cidade e dos shopping centers,
bem capaz. Só árvores de natal, bolas, sinos, laços, muito vermelho com muito
verde, papais noéis... mas Menino Jesus, presépio? Nada!
Rodei
Pinda, São José, Taubaté – o comércio nem sabe mais quem foi Menino Jesus. O
espírito natalino de agora não tem nada a ver com o nascimento de Jesus. Tem a
ver somente com a ansiedade de compras, pacotes, festas, comidas gostosas,
confraternizações onde ninguém faz uma oração. Aliás, quem quiser fazer uma
oração numa confraternização num restaurante vai compor um tipo extravagante,
melhor não...
***
Quando
eu era criança, logo que entrava o mês de dezembro, começávamos a brincar de
Natal.
Pleno
dia, sol claro, fechávamos a janela do quarto: ficava escuro como a noite.
Espalhados pelo ambiente, cada um de nós representava um dos animais da
lapinha: um era o Boi, outro o Cavalo, alguém era a Ovelha e havia o Galo
também.
Então
um de nós, fazendo de contrarregra – diríamos hoje: efeitos especiais –
começava a abrir e fechar rapidamente, um tantinho só, a janelinha da vidraça,
provocando como que ligeiros relâmpagos no quarto escuro. Era o instante do
nascimento do Menino Jesus, os relampaguinhos seriam os raios de luz emitidos
pelos anjos.
O Galo
cantava: Cristo nasceeeeeeu!!!
O Boi
mugia grosso: Aoooonde?
A
Ovelha berrava: Em Belééééém....
O Galo
tornava: Para queeeem???
Ao que
a Ovelha explicava: Para o nosso beeeeeemmm!!!
Então
cantávamos a Noite Feliz.
***
Papai
montava um minucioso presépio, com o Menino Jesus, Nossa Senhora e São José
dentro da lapinha, junto com o Boi, o Jumento e as Ovelhas. A lapinha era feita
com papel de seda rosa, com uma pequena lâmpada oculta. De noite, com a luz da
sala apagada, o resplendor da lapinha iluminava os nossos corações infantis.
Diante
da lapinha, uma planície de serragem colorida. Ali ficavam, de costas para nós,
os Pastores e os Reis Magos, aproximando-se do Mistério. Sobre a lapinha, como
que flutuando com suas boas novas, o Anjo. Acima e por trás da lapinha,
montanhas de papelão azul que iam subindo pela parede do canto da sala. Em
alguns recantos da montanha, cacos de espelho com as bordas escondidas por
orquídeas e parasitas. Caminhos recobertos de areia e margeados por conchinhas,
que terminavam de repente no caco de espelho: parecia que o caminho penetrava
nas rochas e continuava, continuava...
Pelas
encostas e pirambeiras das montanhas, casinhas com janelinhas recortadas,
galos, uma onça, um gato, um leão... no meio da planície, num laguinho de vidro
rodeado de conchas e parasitas, nadavam pequenos patos de celuloide.
No dia
vinte e dois, ao acordar, cada um encontrava, debaixo do travesseiro, um
pequenino milagre: três avelãs.
No dia
vinte e quatro, à tardezinha, Papai e Mamãe mandavam que a gente colocasse
nossos sapatos num banco diante do Presépio. E íamos para o quintal. Na sombra
da mangueira todos nos sentávamos e Papai abria a História Sagrada (bíblia não,
isto era coisa dos crentes). E Papai lia as encantadoras passagens descrevendo como São José e Nossa Senhora foram obrigados
por decreto a se dirigir para Belém. E sofríamos juntos a aflição do
casal, a gravidez de Nossa Senhora, as pessoas que negavam pouso, as estalagens
lotadas... Mas a história acabava bem, Jesus nascia na lapinha, sobre a palha
que alimentava os animais.
Papai
fechava a História Sagrada e dizia: Agora vocês podem ir ver se o Menino Jesus
trouxe alguma coisa para vocês!
Íamos
correndo. E todo ano encontrávamos alguma coisinha. Um saquinho com algumas
avelãs e nozes, uva passa, figo... Às vezes, uma garrafinha de guaraná.
Castanhas, doces... E era Menino Jesus que tinha trazido. Nunca nenhum de nós
reparava que, durante a leitura de Papai, sempre dava uma dor de barriga na
Mamãe e ela precisava “ir pra dentro um
pouquinho”.
Mas
nada de Papai Noel, nada de árvore de natal. Isto não era costume católico.
Na nossa casa humilde, naqueles dias de final de um ano e começo de outro,
imperavam o Presépio e o Menino Jesus.
Texto e foto
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes