Em cima, o Clube da Industrial.
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Suli, Deleu, Bellini e Riberto; Dias e Jurandir, Faustino, Pagão, Prado, Benê e Canhoteiro. O que era isto?
Era a escalação do São Paulo Futebol Clube em 1963. Estou lembrando disto por causa do álbum de figurinhas que vendia na leiteria. Sim! A leiteria da Dona Alice e do Seu Emer Marangoni também era revistaria. Ali a gente comprava “O Pato Donald” toda terça e, uma vez por mês, o “Mickey”. De vez em quando, o irmão do Araújo comprava a “Epopeia” e, depois que lia, emprestava para nós. Não me esqueço da fabulosa “Historinhas Semanais”. Um encanto! “Historinhas Semanais” tinha uma porção de segredos. Janelinhas e portinhas que se abriam nas páginas, para você ver o que tinha lá dentro...
Dona Alice tinha uma palavra boa para cada um. Quando eu chegava no balcão para pegar o leite, ela sempre cumprimentava. Um dia ela me falou:
“Olha, esse litro seu está sujo por dentro. Aposto que você já tentou lavar e não conseguiu.”
Eu só falei:
“É!”, bem sem jeito.
Ela continuou:
“Essa sujeira dentro da garrafa é do leite mesmo, que a gordura dele gruda. Quando você for lavar a garrafa, põe um punhado de arroz cru junto com a água e um pedacinho de sabão. Você chacoalha bem, o arroz vai limpar tudo!”
Realmente, comecei a fazer isto e ficou uma beleza a garrafa. Ensinei para o pessoal de casa.
Mas, no meio das revistas, tinha uma coisa bem perigosa para fazer a gente gastar o dinheirinho da matinê. Eram os álbuns de figurinha.
A primeira metade do álbum só tinha times de futebol. Por isso que eu falei lá em cima os nomes dos jogadores do São Paulo. Mas tinha todos os times principais, de São Paulo e do Rio. Vou falar só os nomes dos goleiros: do Corinthians era o Cabeção; do Guarani era o Dimas; do Palmeiras era o Valdir; da Portuguesa era o Orlando; do Santos era o Gilmar etc.
Querem saber o time do Santos na época: Gilmar, Lima, Haroldo e Geraldino; Mengálvio, Zito e Calvet; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe.
Estou me distraindo na conversa. Estava contando para vocês sobre o álbum de figurinhas. Então, metade era com times de futebol. A outra metade, cada página era uma tentação: uma TV, uma geladeira, um liquidificador, uma batedeira de bolo, um rádio, uma vitrola, um jogo de copa, um fogão a gás, uma panela de pressão - um monte de coisa bonita. Se a gente preenchesse a página, ganhava o prêmio.
Dificílimo. Tinha que completar a página com todas as figurinhas, doze em cada folha. As páginas dos times também tinha que preencher para ganhar algum prêmio. Ganharia uma bola de capotão legítima, oficial, número cinco. Ou uma bicicleta. Meu Deus, aquilo era um sonho louco!
Vários prêmios já ficavam na leiteria, lá em cima das prateleiras. Tinha gente que, diziam, já tinha ganhado. Dum dia para o outro, sumia da leiteria uma bola, um dia sumiu um rádio, outro dia uma boneca. Aí diziam que foi um moleque lá da Vila Maria que ganhou. Outros falavam que foi alguém da Figueira, ninguém sabia muito certo.
Eu e o Bosco estávamos colecionando as figurinhas. Todo semana a gente comprava os envelopes com as figurinhas e o prazer era colar nas páginas. Depois, a gente trocava as repetidas com nossos colegas. E chegamos a um ponto em que todas as folhas estavam quase completas. Faltavam duas figurinhas em cada folha. Pessoas diziam que em cada região do estado havia figurinhas muito difíceis, mas que eram facinhas em outros lugares. Assim: diziam que lá em Ribeirão Preto essas que faltam são facinhas, facinhas.
E daí? O que que a gente ia fazer? Ia pegar o bonde do Seu Ciro Valentini para ir lá em Ribeirão Preto? Imagina só.
Daí, um dia, a mãe viu eu e o Bosco, os dois bem jururus. Ela perguntou o que era, nós mostramos o albinho. Faltando duas figurinhas em cada página.
A nossa mãe às vezes parece que tinha um sonho de felicidade, que tudo ia dar certo, sempre ia dar certo. Ela não se conformou com a nossa tristeza. Perguntou como é que fazia nesse caso, que já estava quase tudo cheio e a gente ainda não tinha ganhado nada. E não sei qual de nós dois que foi bocudo de colocar ideia na cabeça da mãe. A mãe estava parecendo uma criança grande, uma meninona capaz de acreditar em tudo.
Um de nós dois falou:
“Só se comprasse uma caixinha inteira.”
Mãe não deixou o assunto morrer. Já falou em cima:
“Quanto que custa?”.
Fiquei até com medo desse pensamento, mas a mãe nos animou e falamos:
“Cinquenta cruzeiros a caixa de cinquenta envelopinho”.
Mãe ficou de pé e mandou:
“Pega o dinheiro, tá na terrina da cristaleira”.
“Mas mãe, é da conta do Armazém!”.
“Ora, vai valer muito mais se a gente ganhar um prêmio! Vão lá, traz uma caixa de figurinha!”
Fomos eu e meu irmão Bosquinho. Aconteceu tudo. Compramos uma caixa de figurinhas, cinquenta cruzeiros. Seu Emer fez uma brincadeira, disse que queria ver a gente de bicicleta nova. Saímos ligeiros da leiteria, não lembro do caminho de volta para casa, sei que sentamos no chão do quarto, a mãe na cama, vamos abrindo os pacotes, só figurinha repetida, só figurinha repetida, faltavam uns três pacotinhos, fomos abrindo já meio sem fala nós três, e acabou o último pacotinho, só figurinha repetida...
O que mamãe falou naquele dia, naquela hora? Acho que alguma coisa assim: Não faz mal... Deus ajuda... Não tem importância... Meus filhos...
Mas a cara dela ficou meio assustada, achei que estava meio branca. Deu dó, mas deu muito dó mesmo da nossa mãe.
Eu e o Bosco ficamos com uma espécie de vergonha. Mas ninguém criticou. Depois eu fui entendendo que aquele foi o grande lance da nossa mãe. Não deu certo, mas ela teve a coragem de arriscar. Foi mais corajosa do que eu e o Bosco.
E a conta do armazém da Cooperativa acabou sendo paga do mesmo jeito.
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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: Prof. João San Martin