Repare bem. Na calçada de pedra antiga, bem na frente da porta do Palacete Dez de Julho, prefeitura velha de Pindamonhangaba, repare bem, tem uma bolotinha metálica fincada no chão, no meio da pedra. É um marco geodésico. Registra, entre outras coisas, a altitude do centro da cidade.
O solo que pisamos no centro da cidade de Pindamonhangaba fica 560 metros mais alto do que as praias do nosso litoral. O município de Areias, em sua zona rural, fica bem mais alto: 1.800 metros. Lá nasce o Rio Paraitinga, um dos formadores do Rio Paraíba do Sul. O Paraitinga nasce e já vai correndo para oeste, como se estivesse indo para a capital de São Paulo. A partir de certo trecho, suas águas vão correndo paralelas às do Rio Paraibuna, que nasce no Bairro da Aparição, em Cunha, a 1.600 m de altitude.
O Paraitinga percorre pastagens e lavouras, chega a Sao Luiz todo barrento e vermelho. Mas o Paraibuna não. O Paraibuna se preserva, corre por dentro da Mata Atlântica, pelos recantos secretos dos trechos mais altos da Serra do Mar, na sombra das árvores, sempre passando bem perto da cumieira que o separa da vertente virada para o oceano. Assim, as águas do Paraibuna sao frias, límpidas, a mata nao joga barro nele, apenas deixa correr para ele uma água transparente, cor de conhaque, fruto da decomposição dos restos vegetais da floresta.
As águas dos dois rios vêm procurando jeito de descer da Serra da Bocaina, e seu encontro acontece na represa de Paraibuna. Descem da barragem já com o nome definitivo de Rio Paraíba do Sul. Prosseguem na descida, dando voltas. Passam em Santa Branca, onde são detidas de novo na bela Represa de Santa Branca (Ô pescarias!) e continuam rumo oeste, em direção à Capital.
Vejam a beleza da história dessas águas. Milhares de anos atrás, o Paraíba despejava no comecinho do Tietê. Mas o solo se movimentou. Nossa região afundou uns quinhentos metros. As águas do Paraíba desistiram do Tietê, fizeram uma curva para a direita e vieram despejar no vale que se formou com aquele afundamento. Essa curva para a direita hoje está mais ou menos em Guararema, onde as montanhas brecam e desviam seu rumo para que desçam em direção ao Vale. Agora passam em Jacareí no sentido sul-norte, já completando a curva para a direita, e em São José dos Campos estão francamente correndo para leste! Ou seja: mudaram completamente de direção!
E engrossaram, com as águas do Rio Jaguari e do Rio do Peixe, que desceram da Represa de Igaratá. E mais as águas do Buquira, apressadas escorrendo da Mantiqueira. Vão procurando o mar, passam rápidas por Caçapava, não visitam a zona urbana de Taubaté, passam entre Quiririm e a Serra, atravessam as várzeas de Tremembé, recebendo pela margem direita o Rio Una, entram por Pindamonhangaba, onde acolhem pela esquerda o encachoeirado Rio Piracuama, nascido no Itapeva, passam pelo Bosque da Princesa e, mais à frente, recebem as frias águas do Ribeirão Grande ou Tetequera, que nasceu nas altitudes da Mantiqueira.
Vai rolando o nosso Paraíba do Sul, passa em Potim e Roseira. Faz caprichosos meandros na larga planície de Aparecida. Suas águas passam apertadas na zona urbana de Guaratinguetá e espalham-se nas grandes várzeas de Lorena. Encachoeiram-se em Cachoeira Paulista. Passam em Cachoeira espremidas, pelo único e possível corredor, quase um buraco, entre a Serra da Mantiqueira e a da Bocaina.
De fato, ali passa o Rio com monstros morros a apertar o rio pelos dois lados!, sem várzeas. É onde, há milhares de anos, o grande lago que cobria a nossa região, num grande tremor de terra, estourou os obstáculos e vazou para o estado do Rio de Janeiro. Na estação de trem em Cachoeira, olhe para leste. Você verá este vestígio de um tétrico cataclismo. Imagine o estrondo do rompimento e o tamanho da cachoeira do vazamento do lago. E os anos que durou esse reequilíbrio das águas! Nao se assuste muito. Na época, não havia aqui humanos para se assustarem.
Mas ainda falta chão para as águas do rio despejarem no Atlântico. Suas águas ainda vão ficar presas e calmas na grande Represa do Funil, região de Itatiaia, no Estado do Rio de Janeiro. Descendo da represa, o rio volta a correr, buscando sempre as terras mais baixas, querendo despejar no oceano.
Isto só vai acontecer lá em Atafona, município de São João da Barra, no estado do Rio, quase divisa com o Espírito Santo. 1.100km desde a nascente em Areias. Nasceu tão perto do mar, mas teve que dar uma volta imensa antes de despejar no Atlântico!
É assim mesmo. A Serra do Mar é uma muralha, não ia deixar o Paraitinga ou o Paraibuna vararem suas pedreiras e já despejarem nas praias de Ubatuba. Pensando o quê?
Rios que quiserem despejar em Ubatuba, em Caraguatatuba, São Sebastião, só se nascerem na vertente da Serra virada para o mar: como o Rio Picinguaba, Rio da Fazenda, Rio Itamambuca, Rio Promirim, Rio Puruba, Rio Santo Antonio ou do Ouro, Rio Indaiá, Rio Juqueriquerê (no meu amado Porto Novo)... esses sim! Nascem e já descem encachoeirados pelo meio das pedras, atraídos pelo mar.
Quando vão chegando na praia, disfarçam, perderam a pressa, se espalham mansinhos pelos manguezais...
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TEXTO: Paulo Tarcizio da Silva Marcondes / FOTO: Lucio Mello Cesário