O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Perdi meu amigo

Perdi meu amigo de infância. Nelson Goro Yoshinaga. Quando postei "Os Yoshinaga em Coruputuba" eu ainda nem sabia que ele já não estava entre nós.

Que seu sorriso continue nos inspirando.

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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Não gosto que falem mal de vocês


Fico triste quando falam mal de vocês. Às vezes nem tenho argumentos para defender vocês, para fazer as pessoas pararem de falar mal.

O que posso fazer? Ninguém vai me convencer a parar de gostar de vocês. Convivemos tão de perto há tanto tempo! Aprendi com vocês a gostar da vida, a gostar do mundo, a amar a natureza!

Foi perto de vocês que tive as primeiras lições da brisa leve, do perfume das folhas, do cheiro de mato úmido...

Mas vocês me ensinaram também a ter medo do vendaval, vocês repetiam para mim os insultos e as ameaças do vento forte. Nestas lições às vezes vocês se feriam gravemente e fui entendendo que se fere menos quem aprende a ser flexível, como alguns de vocês.

Os sons dos insetos, os milhões de zumbidos no calor do meio-dia, foi na companhia de vocês que fui aprendendo.

Vocês me deram abrigo, vocês me deram o calor dentro da minha casa da infância. Como não gostar de vocês, meus amigos?

Admito que não tenho mesmo muita simpatia por vocês quando estão perfeitamente alinhados, jovens, obedientes como recrutas. Verdes, verdes, subindo e descendo os morros, enchendo os vales, todos tão esguios, mas tão juntinhos que nem deixam crescer o capim entre as fileiras...

Minha devoção eterna vai para os anciãos entre vocês. Feridos pelas queimadas, alguns dos mais velhos acabam tombando. Os que permanecem, no entanto, fortes e poderosos, têm a delicadeza de abrigar os pássaros, dar apoio às orquídeas.

 Não gosto que falem mal de vocês, meus amigos eucaliptos.

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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Os Yoshinaga em Coruputuba


Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Fernando Brant e Milton Nascimento

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Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba, 1958.

O quarto ano estava quase terminando e um acontecimento, feito um presságio, rondava o ar, entre as nuvens brancas que iam se encastelando no horizonte, por trás dos eucaliptos: quem vai ganhar a bolsa?

A Companhia Cícero Prado presenteava com uma bolsa de estudos o aluno que tirasse o diploma do primário em primeiro lugar. Naquele tempo, a conclusão do primário conferia um diploma, com cerimônia de entrega, com padrinhos, missa em ação de graças, festinha no galpão etc. O curso primário tinha terminalidade.

 Meu irmão José Pedro tinha conseguido o prêmio quatro anos antes, e já estava completando o ginásio na cidade. Apesar de ser gratuito o curso, pois o ginásio era estadual, havia muitas despesas envolvidas: transporte, uniforme, livros, cadernos e tudo o mais, que todos os pais sabem disso. Tudo precisava ser comprado, ainda não existia a noção de acesso democrático à educação, a escola nada fornecia, mas exigia tudo: sem material não entra, sem uniforme não entra, sem sapato preto não entra – e assim por diante.

Por isto, a bolsa ofertada pela Companhia era desejada por muitos, e disputada por poucos.  Meu irmão Luiz Gonzaga, dois anos antes, tinha obtido o segundo lugar na disputa, deixando de ganhar a bolsa, que ficou com o Anderson Balbo, mas o Zaga foi para o ginásio assim mesmo.

Agora, a esperança da família era que eu tirasse o primeiro lugar e pudesse continuar os estudos sem muito aperto para a família. Naquele ano, os professores comentavam que o primeiro lugar seria obtido ou por mim ou pelo Américo Yoshinaga, meu colega na classe do Professor Toninho Calixto.

Estudávamos de manhã, mas o Américo, à tarde, cursava o preparatório para a admissão ao ginásio. Nos exames finais disputamos as melhores notas prova por prova. E acabamos empatados em primeiro lugar. Nós dois empatados significava: metade da bolsa para cada um.

Esta era a minha expectativa, enquanto penteava o cabelo diante do espelho do bufê, exagerando na brilhantina. E era este o meu pensamento ainda, entrando no cinema lotado, de braço dado com a Shirley, minha madrinha, numa longa fila dupla de alunos e alunas, madrinhas e padrinhos, todos com a melhor roupa disponível. Minha irmã Ana Clara era a madrinha do meu amigo Adilson Rodrigues.

Bailados, cantos, danças, coreografias com borboletas de asas roxas, azuis, vermelhas... E eu esperando, sentado no cinema quentíssimo, esperando a metade da bolsa.

Chegado o momento supremo, o diretor da escola, Prof. Frederico, anunciou: dois alunos haviam lutado como leões para ganhar a bolsa – e terminaram empatados. Eu, um dos leões (e isto ia gerar mais um apelido irônico entre os irmãos), ficaria com a metade. A outra metade iria para o leão de olhinhos orientais, o Américo. Mas – prosseguiu o diretor – os pais do Américo, o Sr. Soichiro e a Dona Yae, haviam aberto mão de sua metade da bolsa, deixando-a toda para mim!

 Mais tarde, os professores me contaram que o Sr. Yoshinaga, agricultor na Vila Campineira, lhes dissera que o Américo iria estudar mesmo, de qualquer jeito, com ou sem a bolsa, e os Yoshinaga sabiam das dificuldades da minha família.

No ano seguinte à nossa formatura, os Yoshinaga mudaram-se de Pindamonhangaba e nunca mais os encontrei. A vida toda, nestes cinquenta anos, aguardei a oportunidade de um dia poder agradecer ao Américo a nobreza do gesto de seus pais. Quando se comemorou o centenário da imigração japonesa no Brasil, ajudei a organizar as festividades, como diretor da Cultura na cidade. Mas não obtinha notícias concretas dos Yoshinaga.

Agora, pela internet, reencontrei o Nelson e o Américo e, com eles, episódios de minha infância.

O nome dos Yoshinaga era pronunciado com respeito em minha casa. Nelson tinha sido colega de classe do Luiz Gonzaga. José Pedro tinha estudado com o Acácio e com os primos Daikichi e Setsuo. Papai, que reconhecia e valorizava nas pessoas o talento e a seriedade, tinha grande apreço pelos pais e pelos irmãos do Américo.  E um carinho especial pelo Renato, para quem dava aulas em nossa casa. Eram aulas enciclopédicas, de várias matérias.

Quando contei esta historinha na internet, recebi uma linda resposta do Nelson Yoshinaga:

Paulo:

Penso que nossa infância foi marcada pela felicidade de se morar num local tranquilo, numa época em que as pessoas tinham tempo de cultivar amizades e podiam dedicar-se umas às outras, conhecendo-as melhor. Sem ser saudosista, penso que foi uma época boa e talvez melhor que os dias atuais.

Hoje existe uma pressa quase neurótica que ceifa esse tipo de relacionamento e induz as pessoas a uma velocidade incompatível com relacionamentos como os de antes. Uma pressa que não leva a lugar nenhum nem eleva a produtividade, mas esteriliza as relações humanas conduzindo tudo a um solo semidesértico do isolamento.

Não só as casas se fecham atrás de pesadas grades, como as pessoas, em seus pequenos casulos - acreditando estar fazendo o melhor. Penso que não...

Fiquei muito contente de poder encontrar pela internet esta comunidade virtual onde estão algumas pessoas, relatos e fotos de um tempo passado, mas que são nossas raízes. Sem elas, não teria um passado nem origem. Conto a meus filhos sobre o passado em Pindamonhangaba e agora posso mostrar-lhes como foi essa época - ou ao menos dar-lhes uma ideia.

Essa sua gratidão, caro Paulo, é um sentimento dos mais nobres e dignos das grandes pessoas. É conveniente, contudo, esclarecer que o sucesso profissional - seu e de seus irmãos, se deve ao exemplo de dignidade que foi o professor Marcondes, o melhor exemplo de como a Educação forma e impulsiona as pessoas nas carreiras que escolheram.

Olhando o passado, vejo que fomos todos pobres, mas tivemos força de vontade, tenacidade e muita fibra - o suficiente para podermos galgar o caminho do bem e nos formarmos para ser úteis à mesma sociedade que paga e mantém as escolas. Podemos assim devolver o que recebemos, em prol dessa mesma sociedade - sem o que toda nossa formação não teria o menor sentido.

Estou muito contente de reencontrá-lo e aparecerei aí em Pinda para revê-lo. Abraços.

Nelson


Em outra correspondência, Nelson me contou que a Família Yoshinaga é que sempre se sentia agradecida ao meu pai, Professor Francisco.  E explicou: o Renato, irmão mais velho, não podia frequentar escola regular devido a precoces problemas cardíacos. Assim, o Pai Yoshinaga foi conversar com o Pai Marcondes, ficando combinado que em minha casa o Renato teria aulas de todas as matérias, como se estivesse mesmo cursando o ginásio.

E assim aconteceu. Toda tarde meu pai lecionava para o Renato. Do quarto ou da varandinha do jardim, eu ouvia o respeitoso diálogo entre eles, as explicações de meu pai, as respostas ou a leitura do Renato, na sua voz rouca, cansada...

Meses depois, Renato faleceu. Mais alguns meses, meu pai também se foi. Restou a admiração entre as duas famílias.

Então, foi por isto que pude estudar. Procurei honrar o presente que recebi dos Yoshinaga. Sempre levei a sério os estudos, mas sempre me diverti muito estudando. A generosidade do Sr. Soichiro e da Dona Yae não foi em vão. Professor, advogado, poeta, artista plástico: sim, tenho do que humildemente me envaidecer. Mas meu orgulho maior é ser querido pelos meus professores e pelos meus alunos. Uma boa parte dessa construção eu devo aos Yoshinaga.
Americo Tomio Yoshinaga: Minha mãe Maria Tereza, em 1958, me dizia que os Yoshinaga gostavam tanto do Brasil, tinham tanta esperança em sua nova vida aqui, que quiseram colocar num dos filhos o nome do nosso continente.
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Este é um capítulo do Livro “ACONTECEU NA ESCOLA”, de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes – Registro na Biblioteca Nacional n. 344.938 – 22.03.2005 – Todos os direitos reservados.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Seu Francisco


No fundo, Vovô Bento e Papai Francisco com Maria Auxiliadora no colo.
Na frente:  Francisco Carlos, Ana Clara, José Pedro, Luiz Gonzaga, Vovó Ana Emília com João Bosco no colo.
O autor está em primeiro plano, fazendo biquinho.
Foto obtida pela Mamãe Maria Tereza em 1951, diante da casa em Coruputuba. Câmara Kapsa.
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SEU FRANCISCO

Você não teve um companheiro
naqueles tempos dificílimos.

Faltou-lhe um ombro irmão
que lhe autorizasse a franqueza de chorar.

Faltou-lhe. Mas você não me faltava
nos sonhos feios e nos perigos.

Você não nos faltava. E não faltavam
as suas canções na horta.


E de repente você faltou.


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Poema de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Livro “Terra Vegetal” – Ed. Scortecci – Reg. BN n. 133.608

Nota: Papai Franciso faleceu em 1956, com 43 anos de idade. O autor estava com nove anos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O avô pedagogo e a neta aprendiz


Minha neta Pietra, filha da Paty, está quase completando quatro anos. Ela gosta de ser chamada de Biê, apelido carinhoso que ganhou na intimidade da família.

Aliás, a Paty também tem um apelido para mim: Lito.

Certamente foi assim: Paulo > Paulito > Lito

Mas voltemos à Pietra.

Veio me contar, muito contente: “Vovô, a minha letra é a sua letra e é a letra da mamãe!”

Correu, foi buscar o caderno, sentou-se ao meu lado e fez este desenho:
 

Fiquei entusiasmado: Nossa, Pietra! Que legal, você já sabe fazer a letra P, é isto mesmo, parabéns!

Para fazer a festa render mais um pouco, peguei o caderno e escrevi:
 
E já fui explicando: Aqui está escrito Pietra. Aqui, Patrícia. E aqui, Paulo. Agora, fala para mim:

O que está escrito aqui?
 
E ela respondeu: BIÊ!

Expliquei: É Pietra, está escrito Pietra...

E passei para a segunda palavra:

Aqui, o que está escrito?
 
Bem feliz, ela disse: MAMÃE!

Pedagogicamente, ensinei: Está escrito Patrícia, é o nome da sua mamãe.

E passei para a terceira lição.

E aqui embaixo, o que está escrito?
  
Pietra não teve dúvida: VOVÔ!

Eu ponderei com ela: Pietra, aqui está escrito o nome do vovô. O que está escrito?

Já cansada da aula, ela bradou: LITO!

E foi para o sofá, brincar com os cachorrinhos.

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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes