domingo, 11 de novembro de 2012

Fica com Deus!


Saí de Coruputuba e fui morar no Porto Novo, em Caraguatatuba, e logo depois em Jacareí. Nesses novos lugares, as pessoas estranhavam algumas coisas no meu linguajar. E achavam interessantes, e comentavam, as minhas expressões de despedidas: “Vai com Deus!” e “Fica com Deus!” Então, fui percebendo com mais clareza: O lugar onde nasci e cresci era um lugar muito católico, e a nossa formação foi completamente católica.

Os homens eram Congregados Marianos, as mulheres eram da Associação de São José, as moças eram Filhas de Maria, as crianças eram da Cruzada Eucarística. E ainda havia os Vicentinos e outras Irmandades. Tudo isto com os seus rituais, suas reuniões semanais, suas fitas e medalhas, seus hinos e seus lugares marcados na igreja, seus pelotões organizados nas procissões, os andores próprios de cada grupo. Adolescente, saí da Cruzada e entrei na Congregação como Aspirante: fita azul fininha com uma pequena medalha. Dois anos depois, Noviço: fita azul média e medalha maiorzinha. Até que cheguei à Congregação Mariana propriamente dita: fita azul larga e medalha de bom tamanho, pesadinha. Isto, sem falar que eu e meus irmãos, desde os oito, nove anos de idade já éramos Coroinhas, sabendo ajudar às missas e dialogar em latim com o celebrante, como era o uso da época.
 
O cumprimento usual em Coruputuba, não era um cumprimento, era uma jaculatória. Cruzava com algum confrade? Nada de bom dia, boa tarde, boa noite. Era assim: “Salve Maria!”

Em casa já era assim desde pequenos. Levantou? “A bênção, Pai! A bênção, Mãe! A bênção, Vó!” Não bastasse pedir a bênção, ainda fazíamos uma pergunta retórica para o Pai: “Reza o Anjo do Senhor?” ao que o Pai respondia “Reza!”. Então, rezávamos: “O Anjo do Senhor, que por Divina Piedade, sois nossa guarda etc.” e o ritual se repetia ao meio-dia, às seis da tarde e na hora de deitar.

Toda noite, depois da janta, reza. Na sala, todo mundo rezando o terço, com revezamento na hora de “puxar” cada um dos “mistérios” do terço. Quando éramos crianças pequenas, a devoção era tão entranhada em nossos pequenos corações que agora, à distância, fica até comovente lembrar a força e a confiança que a gente punha nas orações e nos pedidos. Uma vez o Pedro nos contou que toda noite ele rezava pedindo que, no dia seguinte, quando ele estivesse no quintal brincando de rodar o pneu, Deus não permitisse que o pneu passasse por cima de alguma bosta de galinha, porque isto era mesmo um pesadelo para a gente.
À medida em que fomos crescendo, mesmo que a fé não tenha diminuído, a liturgia foi ficando cansativa, os joelhos no chão de tijolo, o calor, a vontade de fazer graça um para o outro... Mas o ritual católico continuava nos encantando.  E até hoje, a ideia que tenho de alguma espécie de Céu é iluminada pelas lâmpadas azuladas da capela-mor de Coruputuba – e o perfume do incenso vai ter que haver, se não, não será Céu de verdade.
*   *   *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Fotos www.pindamonhangaba.sp.gov.br – Centenário da Fazenda Coruputuba
            Acervo Patrick Assumpção

Um comentário:

  1. ... "senão não será Céu de verdade.", papai é o máximo. Que coisa, né, papai, por muito tempo eu completamente desconheci que a infância de vocês tivesse sido tão religiosa. Nunca lembro de irmos à igreja quando eu era pequena, tanto que só fui saber melhor dos rituais litúrgicos depois de adulta. Mas acredito que os valores a serem passados importam muito mais que os rituais. Muitos se escondem em crenças e religiões para justificar atos nem tão éticos. Sou muito feliz em poder ter escolhido minha religião, ao invés de tê-la imposta. Que Deus o abençoe.

    ResponderExcluir