1966. Era nosso último Natal em Coruputuba, mas
ainda não sabíamos disso. Já éramos moços – e a expectativa dos presentes de
Natal não existia mais. Não nos interessavam mais as brincadeiras à noite,
diante da Farmácia, debaixo da Paineira iluminada. Tudo isto tinha passado,
pertencia à nossa infância, e a infância parecia uma fase muito distante daqueles
dias de mocidade.
Os quatro irmãos homens mais velhos: o
Carlos, o Pedro, o Zaga e eu, atendemos ao convite do Maestro João Antônio Romão: naquela Missa do Galo, o coro se resumiu a nós
quatro. Ao lado do harmônio, nos momentos combinados da Missa, cantamos da
melhor maneira que sabíamos, o “Adeste,
Fidelis”, a “Noite Feliz”, o “Gloria in Excelsis Deo”... O Bosco, não
me lembro por quê, não cantou conosco no Coro, talvez estivesse ajudando à
Missa, lá embaixo. Também não sei o porquê de ter o Maestro decidido que
naquela noite o coro só teria vozes masculinas. Puxa vida, faltava o maior dos
tenores, o Zé Brechó, irmão da Tatá, para completar.
Não éramos mais crianças, apesar de ainda nos
empenharmos em cultivar algum encantamento diante do Presépio. O Carlos, havia
mais de dez anos, vinha trabalhando no Escritório da Companhia. O Pedro tinha
concluído o Científico e estava cursando a Escola Normal. O Zaga, tendo terminado
o Científico, estava cursando a Faculdade de Direito. Eu tinha acabado de
terminar o Curso Normal e iria, no ano que estava quase começando, iniciar
minha carreira de professor, lecionando na escola do bairro. Naquele Natal, eu
estava me sentindo um adulto: tinha finalmente espichado e, com dezenove anos,
estava da mesma altura dos meus irmãos.
Mas havia em nós um sentimento parecido com o
de fim de festa. De fato, apesar de ainda estarmos morando na mesma terra de
sempre, parecia que tudo tinha passado, tudo estava se acabando, tudo estava
escapando de nossas mãos. O quintal ficou sombrio, porque as árvores cresceram
sem controle, o campinho de futebol sob as mangueiras tinha ficado
irreconhecível, o mato queria tomar conta da horta, as galinhas estavam meio
por conta de si mesmas, já não mantínhamos o controle antigo sobre as criações.
Sabíamos que estávamos quase indo embora? Não, não sabíamos. Não sabíamos que Vovó sofreria
um derrame, que isto ia apressar nossa ida para a cidade, que íamos começar a morar
de aluguel em Pinda, que, a partir daí, teríamos de pagar pela pequena bacia
de chuchu na feira – nós, que produzíamos no quintal de Coru muito mais do que
conseguíamos consumir...
Não sabíamos que estava acabado nosso tempo
de infância, de céu, de paraíso, de coração largo, de respiração solta, de
sonhar que tudo era possível. Mas, naquela noite de Natal, nós cantamos com a
afinação mais perfeita que conseguimos, com o melhor volume de sopro de nossos
pulmões juvenis, acompanhando no tempo exato os acordes que o Maestro tirava do
harmônio. E, enquanto cantávamos no coro da Capela, nós nos entreolhávamos, jovens,
fraternos – e sentíamos uma espécie de orgulho por sermos irmãos, por estarmos juntos.
* * *
Texto
e foto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto
do Presépio da Igreja de Coruputuba. O Presépio faz parte do acervo do Museu
Histórico e Pedagógico Dom Pedro I e Dona Leopoldina.
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