Em
julho de 1967 aconteceram os Primeiros Jogos Florais do Eixo Turístico
Pindamonhangaba – Campos do Jordão. A expressão “jogos florais” significa
concurso de trovas. Os temas eram “Rio” para os candidatos de outros lugares e
“Serra” para os poetas locais. Participei e tive uma trova premiada com menção
honrosa. Então, num belo dia, aconteceu a premiação no Clube Literário. E lá
fui eu, junto com o Walter Leme, meu companheiro de contaminação poética. Foi a
primeira vez que eu entrei naquele clube.
Vieram
muitos trovadores, de muitos lugares, gente de vários estados. Transformado em
auditório, o salão do clube lotou. Fui vencendo minha timidez – eu era um dos
candidatos mais jovens – e conversando com trovadores consagrados de outros
municípios paulistas, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais...
A
solenidade começou, sendo mestre de cerimônia o Percy Lacerda. Números
musicais, discursos meio culturais e meio políticos, até que os vencedores
começaram a ser chamados, um a um, para receber a medalha e o diploma. Cada
pessoa chamada era premiada por uma das autoridades presentes. Até que, num
certo momento, foi chamado o presidente do Literário para entregar a premiação
para uma trovadora de outro estado.
De
repente, virou uma aflição silenciosa no auditório. Porque a trovadora era
negra e o presidente era contra o ingresso de negros no clube. Diante dos olhos
de todo mundo, que todo mundo queria saber o que ia acontecer, aconteceu que o
presidente desceu do palco e foi dando a volta no auditório para sair por um
lado e ir embora para casa, enquanto a trovadora vinha vindo em direção ao
palco pelo outro lado.
O
Percy, numa das mais justas saias justas que já vi, teve que ir compondo ao
microfone uma esfarrapadíssima desculpa, que o presidente infelizmente se
sentiu mal e precisou se retirar, então em seu lugar chamamos o Dr. Fulano de
Tal para entregar a medalha e o diploma para a digna poetisa etc.
Depois
o Literário se modernizou em parte, o racismo foi enfraquecendo diante dos
ventos renovadores, mas nunca chegou perto da democracia racial da Ferroviária.
Aliás, com os olhos postos na realidade social, a Ferroviária cresceu, admitiu
sócios em quantidade, construiu quadra e piscina e tornou-se de fato um grande
clube, querido pela população. Enquanto o Literário entrava em decadência,
afundando rapidamente até fechar. E mesmo assim, com o navio naufragando,
muitos sócios do Literário torciam o nariz diante de algum elogio à
Ferroviária:
–
Credo, Deus me livre. Para mim não serve, lá é muita misturança.
* * *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Nenhum comentário:
Postar um comentário