sábado, 1 de dezembro de 2012

Os clubes e a "misturança"



Em julho de 1967 aconteceram os Primeiros Jogos Florais do Eixo Turístico Pindamonhangaba – Campos do Jordão. A expressão “jogos florais” significa concurso de trovas. Os temas eram “Rio” para os candidatos de outros lugares e “Serra” para os poetas locais. Participei e tive uma trova premiada com menção honrosa. Então, num belo dia, aconteceu a premiação no Clube Literário. E lá fui eu, junto com o Walter Leme, meu companheiro de contaminação poética. Foi a primeira vez que eu entrei naquele clube.
Vieram muitos trovadores, de muitos lugares, gente de vários estados. Transformado em auditório, o salão do clube lotou. Fui vencendo minha timidez – eu era um dos candidatos mais jovens – e conversando com trovadores consagrados de outros municípios paulistas, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais...
A solenidade começou, sendo mestre de cerimônia o Percy Lacerda. Números musicais, discursos meio culturais e meio políticos, até que os vencedores começaram a ser chamados, um a um, para receber a medalha e o diploma. Cada pessoa chamada era premiada por uma das autoridades presentes. Até que, num certo momento, foi chamado o presidente do Literário para entregar a premiação para uma trovadora de outro estado.
De repente, virou uma aflição silenciosa no auditório. Porque a trovadora era negra e o presidente era contra o ingresso de negros no clube. Diante dos olhos de todo mundo, que todo mundo queria saber o que ia acontecer, aconteceu que o presidente desceu do palco e foi dando a volta no auditório para sair por um lado e ir embora para casa, enquanto a trovadora vinha vindo em direção ao palco pelo outro lado.
O Percy, numa das mais justas saias justas que já vi, teve que ir compondo ao microfone uma esfarrapadíssima desculpa, que o presidente infelizmente se sentiu mal e precisou se retirar, então em seu lugar chamamos o Dr. Fulano de Tal para entregar a medalha e o diploma para a digna poetisa etc.
Depois o Literário se modernizou em parte, o racismo foi enfraquecendo diante dos ventos renovadores, mas nunca chegou perto da democracia racial da Ferroviária. Aliás, com os olhos postos na realidade social, a Ferroviária cresceu, admitiu sócios em quantidade, construiu quadra e piscina e tornou-se de fato um grande clube, querido pela população. Enquanto o Literário entrava em decadência, afundando rapidamente até fechar. E mesmo assim, com o navio naufragando, muitos sócios do Literário torciam o nariz diante de algum elogio à Ferroviária:
– Credo, Deus me livre. Para mim não serve, lá é muita misturança.
* * *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

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