quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Atualização - Dicionário da Roça


(continuação da postagem do dia 03/fev/2013)

De primeiro (quer dizer: no tempo antigo), principalmente na roça, se usavam palavras e expressões que não se usam mais. Vamos prosseguir relembrando o seu significado, observando que algumas delas são solenemente ignoradas pelos dicionários:
·                     AH É, BÉ? MAMÁ NA VACA OCÊ NÃO QUÉ? Expressão que se usa em resposta a alguém que está pedindo ou exigindo grande favorecimento sem precisar se esforçar. Não confundir com a expressão “AH, VAI MAMÁ NO BOI!” Esta significa apenas “Não me amole, não fique me aborrecendo, vai fazer alguma coisa, vai ver se estou na esquina!”.
·                    AZEITE! Com o sentido de “Azar!”, é uma interjeição malcriada para indicar menosprezo diante de uma advertência ou repreensão. Ex: O adulto diz para o rapaz levar a capa porque vem chuva forte. De mau humor, o rapaz responde “Ah! Azeite!”. Quer dizer que não está ligando a mínima para a tal chuva. Esta expressão precisa ser acompanhada de um levantar de ombros executado rapidamente uma ou duas vezes. Também se pode usar a fórmula mais completa “AZEITE, CAFÉ COM LEITE!”
·                    BOCÓ. Pessoa boba, lerda, sem iniciativa, fácil de tapear. Para indicar que o grau de bobice é ainda maior, pode-se usar o superlativo BOCÓ DE ARGOLA.
·                    BONDE. Ônibus. Ex: “O bonde do Seu Ciro já foi, agora tem que pegar o Marrom lá no Portão”.
·                    BROTO. Mocinha, moça nova, menina-moça, namorada.
·                    CASINHA. Banheiro fora de casa, no quintal. Ex: “Dá licença que tenho que correr lá na casinha!”
·                    CHISPA! Interjeição: Sai daqui! Sai fora! Geralmente se fala: “CHISPA DAQUI”.
·                    COISA! ou COISINHA!. Vocativo que se usa quando não se sabe ou não se lembra do nome da pessoa. Ex: “Ô... Coisinha! Me empresta o caderno?”
·                    COISAR. Verbo que substitui qualquer outro verbo do idioma, quando a gente não se lembra da palavra certa ou está com preguiça de pensar. Ex: “Precisa coisá a antena, a TV não ta pegando direito”.
·                    DADA. Pessoa sem timidez, que se relaciona bem com os outros, não se avexa de conversar com as pessoas, principalmente com os adultos. Ex: “Gostei do seu amigo, meu filho, ele é um rapaz dado”.
·                    DADINHO DADÃO, QUEM TOMA É LADRÃO. Significa que aquilo que foi ganho por doação não pode ser tomado de volta pelo doador.
·                    DE MEIA-TIGELA.  Falso, sem o valor que diz possuir. Qualquer profissional despreparado. Ex: “É um doutor de meia-tigela.” Uma variante com o mesmo significado: DE MEIA-PATACA.
·                    DEVASSADO. Ambiente muito aberto, sem privacidade. Ex: “Fecha a cortina, passa gente na rua, não gosto da casa devassada desse jeito.”
·                    DISGRAMADO. Substituía a palavra “desgraçado”, que era proibida porque lembrava as maldições bíblicas. Mas tinha o mesmo significado. Do mesmo modo, em vez de xingar “Você é um desgracento!”, dizia-se: “Você é um  DISGRAMENTO!“.
·                    ECO! Interjeição de admiração. Mas pode ser usada também para mostrar satisfação diante do castigo que sofreu quem fez alguma coisa errada: ECO! BEM FEITO!
·                    ENTROXADO. Cheio de alguma coisa, farto. Ex: “Foi na loja e saiu entroxada de compra”.
·                    ENTRÓXE! Expressão muito malcriada que se usa quando se é obrigado a entregar para outra pessoa algum objeto que ela reclama como seu. Outra expressão, mais branda, usada nas mesmas ocasiões é ENGULA!
·                    ESPECULA. Pessoa que fica perguntando muito, principalmente sobre assuntos que não lhe dizem respeito. Ex: “Olha, nós vamos na casa da sua tia, mas não fica especulando aquela história do filho dela, que ela não gosta de falar daquilo”.
·                    EU HEM, ROSA? Indica resposta firmemente negativa: “Nessa eu não caio!”. Há variantes da expressão, mas com o mesmo significado, como por ex: “EU HEM, BOI?” Outra variante: “HOME NÃO!”. Esta última variante apresenta também uma forma mais extensa: “HOME NÃO, MUIÉ DE MONTÃO!”
·                    FIO DA PULÍCIA. Algumas famílias proibiam a expressão “fio da puta”, por isto se usava o “fio da pulícia” com a mesma intenção. Variante: “FIO DE UMA BOA MÃE!”
·                    FOI NA ROÇA PERDEU A CARROÇA. Significa que quem se ausenta perde a vez, perde o lugar, perde o direito que tinha etc.
·                    INVOCADO.  Pessoa que leva tudo a mal, quer brigar por qualquer coisa, facilmente julga que está sendo prejudicada ou que a estão provocando. Ex: “Não vamos ficar junto com esse cara na festa não. Ele invoca por qualquer coisinha, queima a cara da gente.”
·                    JACU. Pessoa muito caipira, sem vivência das coisas da cidade e que, por isto mesmo, erra muito no trato com as pessoas. Pessoa envergonhada, tímida. Se o grau de caipirice é muito grande, pode-se empregar uma expressão mais forte: JACU DO MATO. Um sinônimo de JACU é MOCORONGO. A pessoa que consegue somar as qualidades do MOCORONGO com as do BOCÓ seria um BOCOMOCO.
·                    LAMBETA. Pessoa que se intromete nos assuntos dos outros, ou pessoa mexilhona, que mexe no que não é seu. XERETA tem mais ou menos o mesmo sentido.
·                    LAMBISGOIA. Mulher magrela. Ou então, pessoa intrometida. Mulher sem-vergonha, mais ou menos o mesmo que SIRIGAITA.
·                    MAGRELA. Bicicleta.
·                    MARDIÇUENTO. A palavra “amaldiçoado” não podia ser falada, era proibida. Da mesma forma, a palavra “maldito”. Usar essas palavras era pecado grave, por isto se usava o “mardiçuento”, com o mesmo sentido daquelas. Uma variante: “MARDELO!” Outra variante: "MARDISGÜELO"
·                    METADE DA MISSA. Alguma parte de uma informação. Usa-se na expressão depreciativa: “Fica quieto que você não sabe da missa a metade”. Significa que a pessoa está dando palpite sobre um assunto que não conhece direito, ou sobre um acontecimento do qual ela só teve conhecimento parcial.
·                    NÃO SEI, NÃO QUERO SABER E TENHO RAIVA DE QUEM SABE! É uma resposta malcriada, para encerrar a conversa diante de perguntas muito insistentes ou desagradáveis.
·                    NEM NÃO! Significa Sim! Claro! Sem dúvida! Ex: – Você vai no carnaval da Tuia? – Nem não! Já to lá!
·                    OBRA. Significava fezes, troço. OBRAR era o mesmo que defecar. Ex: “Ainda não sarou a diarreia não. O bebê ainda ta obrando  mole”.
·                    PÃO. Expressão que as mocinhas usavam para se referir a um rapaz muito bonito.
·                    PASSAR UM TELEGRAMA. Ir ao banheiro, para fazer as necessidades, principalmente defecar. Hoje em dia se diz: “Tenho que fazer o número dois.”
·                    PRESTIMOSA. Mulher prendada, caprichosa nos serviços domésticos.
·                    PUXO. Dor de barriga muito forte, geralmente acompanhada de diarreia. Ex: “Deu uma dor de barriga de puxo nele, que o coitado quase que virou no avesso!”
·                    SOU BOBO, MAS SOU FELIZ, MAIS BOBO QUEM ME DIZ. Quando não se encontra argumentos para se defender de algum insulto, usa-se esta fórmula. Na mesma situação, se o ofendido não conseguir pensar em nada mais inteligente para falar diante do insulto, pode usar a forma simplificada: AH É, AH É? EU QUE SOU BOBO, NÉ? SEI.
·                    TARZÃ DE PÉ DE COUVE. Pessoa que se diz forte ou valente, mas na verdade não é nada disso; pelo contrário, é pessoa fraca ou covarde.
·                    TIRAR A CALÇA E PISAR EM CIMA. Resposta malcriada diante da revolta da pessoa que se sente prejudicada. Significa mais ou menos “Dane-se!” A expressão completa é esta: “Não gostô? Tira a carça e pisa em cima!”
·                    VAI ELE! Interjeição de admiração e, às vezes, de algum descrédito diante de uma informação espantosa. Ex: “–  Mãe, caiu um calipero atrás da escola!  – Vai ele, fio!”
·                    ZONGO. Pessoa meio lerda, desligada, aparentando certo grau de bobeira. Pessoa que não se manifesta, não participa direito das atividades dos colegas. Sinônimo: ZONGUERA. Sinônimo aproximado: BABUJA.
  *   *   *
Este dicionário está (e estará sempre) em fase de ampliação.
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes 

2 comentários:

  1. Boa, Paulo!!! Morri de rir das expressões usadas até hoje por minha avó e, consequentemente, minha mãe.
    Tenho um sinônimo para Lambeta: Cuié.
    Já ouvi muito essa também. Grande Abraço!

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  2. Paulo Tarcizio: muito bom! Parabéns! Eu que vivi em Pinda até os meus 11 anos, o "Dicionário da Roça" fez-me lembrar dos bons tempos. Fui um "Jacu do Mato". Rsrs.

    Ciro Yoshinaga. 26/12/2013.

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