Poema de Charles Pierre
Péguy (1873 – 1914 )
Nada mais lindo do que uma criança
que adormece rezando, disse Deus.
É como vos digo, nada mais
lindo no mundo.
Eu nunca vi nada tão lindo
no mundo
E, no entanto, muitas coisas
lindas vi no mundo.
E entendo de belezas. Minha criação
regurgita de belezas.
Há mesmo tantas belezas que
nem sei onde colocá-las.
Vi milhões e milhões de
astros rolar sob os meus pés como as areias do mar.
Vi dias ardentes como
chamas,
Dias de verão, dias de
junho, julho e agosto,
Noites de invernos pousadas
como mantos,
Noites de verão, calmas e
suaves como uma queda de paraísos,
Inteiramente consteladas de estrelas.
Vi essas colinas do Meuse, e
essas igrejas que são minhas próprias casas,
E Paris, e Reims, e Ruão, e
catedrais que são meus próprios palácios e castelos,
Tão lindos que os guardarei
no céu.
Vi lágrimas de amor que hão
de durar mais que as estrelas do céu.
Vi olhares de prece, olhares
de ternura,
Perdidamente caridosos,
Que brilharão eternamente na
noite das noites.
E vi vidas inteiras, do
nascimento à morte
E do batismo aos Santos
Óleos
Desenrolar-se como um fuso
de lã pura.
E eu vos digo, disse Deus,
que não conheço nada mais lindo no mundo
Do que uma criança que
adormece rezando
Sob as asas de seu anjo da
guarda.
E que ri para os anjos ao
adormecer
E já mistura tudo e não
compreende mais nada
E enfia as palavras do Padre
Nosso, a torto e a direito, entre as palavras da Ave Maria,
Enquanto desce um véu sobre
as suas pálpebras,
O véu da noite, sobre seu
olhar e sua voz.
Vi os maiores santos, disse
Deus, pois bem, em verdade vos digo que nada me pareceu tão gracioso e
portanto tão lindo no mundo
Como essa criança que
adormece rezando
(esse pequenino ser que
adormece na confiança)
E mistura o Padre com a Ave
Maria.
Nada é tão lindo, e neste
ponto
A Santa Virgem é também da
minha opinião.
E posso dizer até que é esse
o único ponto em que temos a mesma opinião
Porquanto em geral nós divergimos.
Ela é pela misericórdia
E eu, tenho que ser pela
justiça.
(Tradução de Sérgio Milliet)
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