Os irmãozinhos agachados
dentro de uma pequena clareira que papai abriu no exuberante capim gordura, que
nos encobria. Papai plantava na terra grudenta um pezinho de banana. Regador do
lado, ajudei. Ainda agachado, inclinei o regador, fazendo muita força, o que resultou
num chuveirinho parcial, minha primeira contribuição para este planeta. Era de
manhã, céu azul e sol forte. Eu era muito pequeno. Aquela talvez fosse a
primeira bananeira do quintal, que ainda era só capim e tocos de eucalipto. Em
alguns anos, papai transformaria aquilo num pomar, que nós íamos varrer todo
dia, e por onde iriam circular as galinhas, ciscando.
Naquele dia papai
estava começando a colonização do quintal. Era na Avenida Cícero Prado, número oito,
a segunda casa em que a família morou em Coruputuba. A primeira tinha sido na
Vila Tanque, mas dali fui levado com um ano de idade e sem nenhuma lembrança.
Os irmãos me contavam que na primeira casa, numa noite de tempestade, aconteceu
um curto-circuito, começou a pegar fogo na caixa de luz.
Foi na Cícero Prado que
aprendi a andar, certamente. E andava bastante. Com os irmãos, percorria as
casas novas ainda desocupadas. Do número nove em diante, todas vazias. Mas
abertas, a gente percorria os cômodos, o piso de tijolo, as paredes caiadas,
cheiro de casa nova. Algum dos irmãos despejava água na jardineira da varanda,
para ver as biqueirinhas funcionando. Meti a cabeça na ponta de uma biqueira,
doeu, chorei.
Primeiros moradores
daquela rua, na minha lembrança... A primeira casa era distante das outras,
planta diferente, maior. Era a casa da Dona Marina e do Seu Totoizinho. Depois,
vinha um bloco de três casas geminadas: a do Seu Eneas e Dona Sinhá, a da Dona
Basta e a do Seu Sebastião Leite e Dona Maria. A casa da Dona Basta não tinha,
portanto, entrada para o quintal. Isto nos fornecia um mistério: a única da rua
com quintal invisível. Depois, duas casas geminadas: a do Seu Dimas e a dos
Duran. O próximo bloco de duas geminadas era o nosso: a casa dos Crepaldi e a
nossa.
Desse ponto em diante,
as casas foram sendo ocupadas aos poucos. Nossos primeiros vizinhos no número
nove foram o Seu Jofre Macedo e Dona Laura. Essa casa depois foi residência do
Seu Dolivo e Dona Maria Varela e, mais tarde, dos Amarante. A casa de número
dez foi ocupada pela família da Dona Anésia. E aí chegava a esquina, diante da
linha do trem. A casa dessa ponta de rua era geminada e ficava escanteada, meio
querendo participar da rua Nossa Senhora Aparecida, que fazia frente para os trilhos e terminava no muro
da fábrica. Na casa da ponta morava... o Seu João da Ponta.
De frente para os
trilhos moraram pessoas das quais me lembro em ordem atrapalhada no tempo e no
espaço. Armando Machado (ou seria o Inácio?), os pais da Vera Corrêa, a Dona
Maura, o Seu Eurico e Dona Eleuzina, que tocavam a Pensão, o Seu Dionísio
Marcondes, que tinha sete filhos homens, o Seu Nikita, pai da Dona Maura e da
Dona Teresinha, o Seu Pedro, já colado ao muro da fábrica. Mais tarde, a
família do Seu Fusco.
Seu Nikita andava a
cavalo pelos matos, vigiando os eucaliptos. Em dias de chuva, usava uma capa
enorme, que cobria até a garupa.
Seu Dionísio tomava
conta do portão do trem, ficava o dia todo na guarita, como se todo dia fosse
chegar trem. Ficava jogando xadrez, não me lembro com quem. Foi a primeira vez
que vi um jogo de xadrez, o tabuleiro igual ao de damas, mas com peças magníficas,
intrigantes, misteriosas.
O trem chegava em
festa, a locomotiva a vapor, com sino em lugar de apito, resfolegava. Acho que
vinha uma vez por mês, não sei. Mas sei que eu tinha uns quatro anos quando,
passeando com os irmãos no bosque de eucaliptos, cheguei aos trilhos. Estava
comendo banana e pus a casca em cima do trilho. Dias depois, ouvimos o sino, o
trem chegava. Pedro correu para me falar que o trem ia escorregar e cair por
causa da minha casca de banana, culpa minha. Fui para debaixo da cama e fiquei
chorando alto. Mas o trem veio, descarregou, foi embora e nada aconteceu,
graças a Deus.
***
Texto de Paulo Tarcizio
da Silva Marcondes
Foto de Roberval E. de
Godoy
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