Fachada primitiva da escola de Coruputuba, antes da primeira ampliação, quando havia apenas quatro salas de aula. Nessa escadinha ousei as minhas primeiras declamações. A janela da esquerda correspondia à Biblioteca. A outra, à Diretoria.
Dona
Tereza era servente da escola de Coruputuba. Casada com o professor Francisco,
contratado pela fábrica para lecionar no curso noturno, destinado aos
funcionários que ainda não tinham completado o primário. Quatro filhos até então,
e a avó. Sete bocas, portanto, na casa humilde cedida pela Companhia Agrícola e
Industrial Cícero Prado.
Casa
cedida, ainda bem, não se gastava com aluguel.
E a Companhia acrescentava o fornecimento gratuito de água e luz. E mais
o direito de lenhar entre os eucaliptos. Ah, meu leitor urbano: lenhar quer
dizer recolher lenha, catar as varas secas caídas, para formar com elas belos e
pesados feixes que aguardarão em pé, num canto do quintal, a sua vez de
alimentarem as chamas do fogão...
O fogão
era aceso às cinco da manhã. Era a avó quem fazia isso, colocando no fogo a
chaleira de água para o primeiro café do dia. Dona Tereza saía cedinho para o
serviço na escola, ia cuidar da limpeza das salas de aula, lavar os banheiros,
preparar o leite que os alunos tomariam no recreio. Um serviço pesado. Ainda
mais para ela, esperando o quinto filho.
O
diretor da escola não tinha contemplações: servente grávida continua sendo
servente, nada de passar para outro funcionário algum serviço dela...
Pois
veio finalmente o quinto filho. Sem direito a licença maternidade, dentro de
poucos dias volta ao serviço a Dona Tereza, levando o bebê junto. O carrinho de
vime, o dorme-dorme, ficava na cozinha. E a servente se desdobrava para
desempenhar as tarefas de limpeza e correr para ver a criança, amamentá-la.
Esforçando-se para não dar margem a reclamações quanto à qualidade do serviço.
Não adiantou o esforço. O diretor a pressionava todo dia, reclamando de
qualquer coisa, incomodado com a situação.
Até que
Dona Tereza não aguentou mais fazer silêncio sobre a perseguição. Chorando,
aconselhou-se com o marido. O professor Francisco gostaria de dizer: “Minha
nega, larga desse serviço”. Mas como dizer isso, no meio daquela pobreza,
ganhando tão pouco pelas aulas do curso de adultos... Acabaram decidindo por um
meio-termo. Assim, Dona Tereza expôs ao diretor sua intenção de conseguir uma
licença, um afastamento, até que a criança pudesse ficar em casa, para ela
trabalhar mais sossegada.
“Assina
aqui”, lhe diz o diretor. Ela assina. À tarde, em casa, ela recebe um recado:
não precisava ir para a escola no dia seguinte.
No dia
seguinte ela vai sim à escola, informar-se sobre o afastamento, a licença. E
fica sabendo que não é mais para ela ir trabalhar. Ela tinha assinado, sem perceber,
um pedido de exoneração.
Reclamar?
Com o bispo? Reclamou sim, inclusive com o bispo em Taubaté, com o vigário em
Pinda. Não adiantou, o diretor tinha
costas quentes na política. Era assim, naquele tempo.
Aquele
tempo passou, faz tempo, muita coisa melhorou para os professores e os
funcionários das escolas. No entanto, ainda há injustiças a serem corrigidas.
Dona
Tereza sobreviveu àquelas injustiças, que acabaram por ensiná-la a estar sempre
muito atenta ao mundo à sua volta. Desenvolveu, debaixo de sua aparência
tranquila, uma disposição defensiva que podia assumir o comando repentinamente. Sobreviveu a muitas outras dificuldades que
foram aparecendo no seu caminho de mulher jovem, bonita, pobre e honesta.
Defendeu seus filhos contra tudo e contra todos, muitas vezes deixando a
estratégia defensiva e partindo para o ataque preventivo... Viveu até quase
completar setenta e nove anos de lutas, bem mais que o Professor Francisco, que
tombou ainda jovem e a deixou sozinha para proteger e orientar a prole.
E sabe a
criança, aquele menino que viveu uns tempos num carrinho de vime na cozinha da
escola...? Aquele menino, anos mais tarde, voltou para a mesma escola como
aluno, e depois voltou como professor: Foi ali o seu primeiro dia de trabalho
no magistério.
E depois
foi ser diretor de escolas por esse mundo de Deus. E em cada professor ele via o
Seu Francisco lutando pela vida. Em cada
servente, em cada merendeira, ele enxergava a figura da Dona Tereza. E nunca
achou ruim com funcionárias e professoras que precisavam levar suas crianças
para o serviço.
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Texto de Paulo Tarcizio
da Silva Marcondes
Foto de Jacinto Avelino Pimentel Filho
Foto de Jacinto Avelino Pimentel Filho
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