Esse negócio de tomar café elegantemente, um bocado de pão, um
gole de café... isso demorou. A gente bebia o café de gúti-gúti na caneca de
folha, que o Seu Miguelzinho tinha colocado asa, e saía para o quintal comendo
o pão. A caneca de folha deixava marca na testa, tanto tempo que a gente ficava
bebendo e respirando dentro da caneca, o narizinho ficava cheio de gotinhas de
vapor.
Mas no bufê, de vidro e espelhos manchados, tinha umas xícaras de
porcelana, branquinhas por dentro e pintadas de amarelo por fora, com paisagem
de coqueiro, casinha e mar. E também, do mesmo jogo, o bule, a leiteirinha, a
manteigueira e o açucareiro. Mas era só de enfeite tudo isto, eu pensava. Até
que veio o batizado da Auxiliadora, quando eu tinha quatro anos.
Na igreja, depois da missa cheia de incenso e do harmônio do
Maestro Romão, minha irmãzinha bebê, de longa camisolinha branca, não estava no
colo da mamãe, nem do papai. Estava no colo dos padrinhos, o Seu Vando e a Dona
Bela Esteves. Orações, a fala do padre, a vela acesa, o algodão com óleo na
testa e no peitinho da criança... Depois, fomos todos para casa – e os
padrinhos também! Foram tomar café com a gente.
Quer dizer, tomar café com o papai e mamãe. Nós, crianças, fomos
para a cozinha, sob os cuidados da Vovó, que estava com o Bosquinho no colo.
Vovó falou que era para dar sossego para as visitas, tinha que ir para o
quintal. Mas bem capaz! A gente queria ficar no corredor, espiando pelo vão da
cortina de chita. Eu espiava, disputando espaço com os maiores, num empurra-empurra,
mas não podia dar muita risada, nem cochichar muito.
Eu espiei, e vi. Ó maravilha! A mesa tinha ido para perto da
janela da varanda, estava com toalha. Em cima da mesa, as xicrinhas amarelas! E
o bulinho! E a leiteirinha, com o açucareiro de tampa, e a manteigueira! E
tinha manteiga, que compraram na Dona Naná. E tinha pão doce, de casca marrom
brilhando!
As cadeiras de pau tinham recebido capas de morim branco, que
mamãe tinha costurado e bordado, com tirinhas para prender no encosto.
Sentados, solenes, os adultos conversavam contentes, comentavam coisas,
passavam manteiga no pão doce, punham café e leite, e tudo fumegava, e as
colherinhas dançavam dentro das xícaras, tilintando. Mas me deram um bruto de
um empurrão por trás e eu fui de cambalhota para o meio da sala e já fui me
levantando aos trambolhões para me safar dali, mas deu tempo de ver a cara da
minha mãe e o gesto que queria dizer “Ocê me paga!”.
Tinha mais ninguém no corredor não. Fugi para o quintal e estava
todo mundo lá, rachando o bico de tanto dar risada.
Acho que não apanhei não, acho que ninguém apanhou, não lembro.
Lembro que logo depois a gente tomou café com leite com pão doce com manteiga.
Mas o café foi nas canecas de folha mesmo, as xicrinhas amarelas já tinham
voltado para o bufê e ali ficaram mais uns vinte anos, até que foram sumindo,
quebrando, desaparecendo.
O bufê acabou, as cadeiras de pau também, e as suas capas de
encosto. Acabou essa coisa de ter na sala mesa com cadeiras. Acabou isso de a
gente levar tombo e dar risada, a gente vai ficando mais fraco e triste e os
tombos agora fazem a gente chorar.
Xicrinhas douradas de café com leite! Doces, lindas, frágeis, como
a infância! Frágeis como a vida.
* * * * *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Fotos: Mercado Livre
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