“Fazei-me instrumento de Vossa
paz!”
Oração
de São Francisco de Assis
Para o Professor é mais
um dia de aula, um dia como outro qualquer, será uma aula como qualquer outra.
Tantos anos, tanto giz, tantos diários de classe... Não há mais diferença,
podemos engatar o piloto automático que a aula sairá como sempre, com começo,
meio e fim. O olhar flutuando rapidamente sobre as cabeças dos jovens, a
chamada, a lousa, os trabalhos, o livro, a tentativa de controlar a atenção rebelde,
a tarefa para casa, o sinal... Sim, vai ser mais um dia. Será mais um dia de
aula, como qualquer outro.
Está bem, Professor. Mas
agora pare. Pare aí mesmo, na porta da sala de aula. Quer dizer, pare só um
pouquinho, também não precisa chamar a atenção dos alunos, não precisa que eles
estranhem essa paradinha. Então não pare nada, entre direto. Só que hoje, antes
de iniciar suas atividades rotineiras, dedique dois segundos para este
pensamento, para esta constatação: Como assim um dia como outro qualquer? Você
não sabe uma coisa, falta-lhe uma informação, uma preciosíssima informação. Sem
ela você é fraco, ineficiente, ineficaz.
Mas não tem jeito de
obter a informação – e você não poderá ser um fracasso hoje. Então assuma estas
verdades: Primeira: Você não sabe o que rolou de ontem para hoje na vida de
cada um de seus alunos. Segunda: Não tem jeito de saber. Terceira: Sem saber o
que rolou você não poderá dar a aula mais adequada para a situação.
Nada de desespero, meu
amigo Professor. Falta ainda a quarta verdade: O fato de não saber o que rolou,
somado à constatação de que dar aula sem saber isto é tempo desperdiçado, ainda
somado ao fato de que é impossível descobrir o que rolou, tudo isto junto lhe
fornece a quarta verdade.
Que é a humildade. A
humildade do cego que não sabe o caminho, sabe que nunca verá o caminho, mas
apalpa e vai em frente.
Ah, meu amigo Professor!
Você não sabe como as suas palavras serão recebidas por seus alunos. Então vá
como o cego vai, com um respeito digamos assim: religioso, respeitando
profundamente cada aluno como o cego respeita o caminho por onde precisa
passar. Pesando a palavra, pesando o olhar, pesando o silêncio.
Olhe para a sua classe.
Um desses alunos está em carne viva.
Rolou uma coisa na vida
dele, de ontem para hoje. E você não sabe qual desses alunos. Um deles perdeu
uma coisa que nunca tinha pensado possível perder. Um deles conquistou uma
coisa que julgava inconquistável. Um descobriu que o globo terrestre continua a
girar apesar do que rolou.
Um deles descobriu o
veneno da traição. Um sentiu pela primeira vez medo de viver. O remorso brotou
em alguém, a preocupação alugou uma cabeça, parece que para sempre. Outro
mandou tudo às favas e está prestes a incluir você na lista.
Então não leve a sério
toda palavra inábil. Preste a atenção a cada sorriso, porque é uma flor
brotando onde isto pareceria impossível se você tivesse todas as informações.
Nestes anos todos de
magistério já aconteceu de eu ter sido completamente desajeitado... diante de
uma criança, diante de um adolescente, diante de um adulto – diante de um aluno
que, naquele dia, naquela aula, precisava tanto de uma atenção, pequena que
fosse... E eu passei reto, ocupado com a matéria...
Por não saber o que tinha
rolado. Por não perceber que não sabia. Por não compreender que jamais saberia
e, por isto mesmo, deveria ter sido o melhor que eu poderia ser, o mais
delicado possível, o mais acolhedor, o mais solícito. Cuidadoso, como um cego
numa estrada que ele não conhece.
Mas tudo bem, Professor.
Agora, agora você já pode fazer a chamada.
Boa aula, Professor.
* * *
Paulo Tarcizio da Silva Marcondes, no livro “Aconteceu na
Escola”
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