Levei para a Escola Regimental do quartel o mesmo jeito das minhas aulas no Grupo Escolar. Substituindo o Professor Ivan Vizaco durante seis meses, fui lecionar para os soldados que não tinham completado o primário. Ainda engatinhando na profissão, fui ser colega de mestres já consagrados: os professores Augustinho Ribeiro e Rubens Zamith. Meus alunos eram rapazes de dezenove anos – e eu tinha vinte. A minha pouca idade, que na escola primária tinha sido um problema angustiante, no quartel nada significou. Eu usava cabelo curto, a sentinela batia continência, decerto pensava que eu fosse um dos aspirantes.
A disciplina era perfeita. A classe, de quarto ano, tinha uns vinte alunos, todos interessados em aprender, inclusive para poder seguir carreira, prestar exame para cabo. E ninguém podia faltar. Toda noite, ao sair da aula, eu devia entregar ao oficial do dia a lista de presença. Do mesmo modo como meu pai tinha que fazer quando dava aula para os adultos da fábrica em Coruputuba. Só que, no quartel, quem tivesse faltado às minhas aulas pegava um dia de cadeia.
Com esses alunos, o meu jeito de dar aulas começou a melhorar. Fui incluindo o debate, a troca de informações, eles tinham coisas para contar e queriam contar, e respeitavam a vez de falar uns dos outros. Não cheguei à ousadia de dar trabalhos em grupo, bem que poderia, as mesas do refeitório seriam boas para isto, não estavam parafusadas no piso... Mas dar tarefas a um grupo de alunos e ficar supervisionando – isto, na época e, ainda mais, no quartel, imaginei que poderia ser considerado uma espécie de matação de aula.
Durante os debates, comecei a perceber que a participação dos alunos não era perda de tempo, tornava a aprendizagem mais fácil e mais significativa. José, um rapaz alto e magro, vindo da zona rural de Lorena, relatava as experiências da vida rural, da faina diária de tratar das vacas e da plantação. Outro jovem, motorista do quartel, narrava as viagens que fazia a serviço, contou-nos sobre a atuação do Exército por ocasião da tromba d’água de Caraguatatuba.
Assim, todos iam aprendendo Geografia, História e Ciências baseados um pouco na lousa e um pouco nos testemunhos dos colegas. Se bem que, no fundo, parecia que eu estava meio que perdendo um poder, o de dominar todas as cenas da classe: quando um aluno falava, os outros ficavam olhando para ele, dava uma espécie de ciúme... Mas, no final do ano, já tinha percebido: aluno e professor, um não existe sem o outro. Foi esta a primeira turma para quem entreguei diplomas de conclusão de curso.
Meses depois, numa das ruas da cidade, cruzei com um militar comprido, magro, que me cumprimentou e parou para conversar. Era o José, de Lorena. Tinha feito o exame para cabo e foi aprovado. Ia seguir carreira. Disse que muita coisa que aprendeu nas nossas aulas caiu no exame. Agradeceu tanto, tão contente, que comecei a sentir que eu já estava virando mesmo um professor, ia ser que nem o Papai.
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Na obra: ACONTECEU NA ESCOLA
Edição do autor – Pindamonhangaba
224 páginas; 21 cm
ISBN 978-85-913453-0-4
1. Educação. 2. Docentes. 3. Formação de Docentes
Contato com o autor: paulotarcizio@gmail.com
Foto: Professor Eduardo Guaycuru San-Martin
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