quinta-feira, 27 de março de 2014

Falando caipira




Nós não nos considerávamos caipiras. Sim, falávamos barde, memo (em lugar de mesmo), falá, comê, trabessero, têia (do teiado, ué!), ocê, bonde no lugar de ônibus, ridico, cuié,  muié, tá, nóis tava. Mas não éramos caipiras que nem o pessoar da varge. Aquele pessoar sim, era caipira memo, uns jacu do mato. Os caipiras de verdade, no nosso entender, eram os que falavam num carece, em lugar de não precisa, entonce em vez de então e – o pior de tudo – falavam ponhá em vez de pôr. O ponhá, para nós, era o estigma derradeiro. Quando queriam provar que não eram caipiras ficava pior: faziam força para acertar e falavam galfo, malmita... Nós, os filhos do professor, querendo falar “Eles foram varrer o quintal porque estava muito sujo e nós fomos também”, falaríamos “Eles fôro varrê o quintar porque tava muito sujo e nóis fomo tamém”.  Já os caipiras do fundo da varge diriam “Êzi fôro barrê o quintar a mode que tava munto xujo e nóis fumo tamém”. Eram diferenças fundamentais, acreditávamos.
A escrita nos salvou de continuar falando daquele jeito. Escrever, a gente escrevia certo. Ainda mais no Ginásio, quando comecei a prestar mais atenção na minha fala e aos poucos fui perdendo a caipirice do jeito de falar. Se bem que em casa e no bairro mantive, como uma espécie de resistência e saudosismo, na medida do possível, o meu linguajar costumeiro, como um bilíngue. Quando comecei a trabalhar em dois lugares ao mesmo tempo, na escola e na fábrica, falava de um jeito com as professoras e alunos e de outro jeito com a peãozada.
Tentei transformar meus aluninhos do Rio Abaixo em cidadãos bilíngues. A intenção era torná-los capazes de usar a forma culta sem desprezar o seu riquíssimo linguajar coloquial. E sem misturar. Porque misturando dá confusão. Com todo o respeito, não podemos desejar que numa casa caipira as crianças de escola usem o linguajar culto no seu dia a dia. Presenciei um garoto, que decerto queria estrear as novidades aprendidas na escola, falando para sua avó: Vou pegá as telha.
E a avó: Pegá  o quê, minino?
O neto, sério: As telha.
E a velha, no máximo do deboche: Que isso, “telha”? Que “telha”? Fala direito, sua besta: é têia, viu, é têia... minino bobo... inventano moda...
Trabalhando com os alunos da primeira série, certa vez forneci uma folha mimeografada com quatro grupos de figuras. Em cada grupo uma figura estava completa e as outras sofriam a falta de algum elemento do desenho. O Rubens embatucou num dos desenhos. Olhava, olhava e não atinava com o que estaria faltando. Fui ajudar: Este coelhinho está completo? Não falta nada nele?
E o Rubens examinando, examinando... – Escuta Rubens: este coelho tem orelha? E ele: – Tem...
E assim fui, perguntando, dando voltas, para não mostrar direto o que estava faltando, que era justamente o olho: no desenho do coelhinho, de perfil, faltava o olho. Mas o Rubens não se resolvia. – Rubens, este coelho tem olho? E o Rubens, incrível, fez que sim, e falou: – Tem. Então entendi. E perguntei: Rubens, este coelho tem zóio?
Heureca! Imediatamente o Rubens desenhou o olho do coelho.
*****

Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Na obra: ACONTECEU NA ESCOLA
Edição do autor – Pindamonhangaba
224 páginas; 21 cm
ISBN 978-85-913453-0-4
1. Educação. 2. Docentes. 3. Formação de Docentes
Contato com o autor: paulotarcizio@gmail.com

sábado, 15 de março de 2014

Lecionando para soldados - 1967

Levei para a Escola Regimental do quartel o mesmo jeito das minhas aulas no Grupo Escolar. Substituindo o Professor Ivan Vizaco durante seis meses, fui lecionar para os soldados que não tinham completado o primário. Ainda engatinhando na profissão, fui ser colega de mestres já consagrados: os professores Augustinho Ribeiro e Rubens Zamith. Meus alunos eram rapazes de dezenove anos – e eu tinha vinte. A minha pouca idade, que na escola primária tinha sido um problema angustiante, no quartel nada significou. Eu usava cabelo curto, a sentinela batia continência, decerto pensava que eu fosse um dos aspirantes.

A disciplina era perfeita. A classe, de quarto ano, tinha uns vinte alunos, todos interessados em aprender, inclusive para poder seguir carreira, prestar exame para cabo. E ninguém podia faltar. Toda noite, ao sair da aula, eu devia entregar ao oficial do dia a lista de presença. Do mesmo modo como meu pai tinha que fazer quando dava aula para os adultos da fábrica em Coruputuba. Só que, no quartel, quem tivesse faltado às minhas aulas pegava um dia de cadeia. 

Com esses alunos, o meu jeito de dar aulas começou a melhorar. Fui incluindo o debate, a troca de informações, eles tinham coisas para contar e queriam contar, e respeitavam a vez de falar uns dos outros. Não cheguei à ousadia de dar trabalhos em grupo, bem que poderia, as mesas do refeitório seriam boas para isto, não estavam parafusadas no piso... Mas dar tarefas a um grupo de alunos e ficar supervisionando – isto, na época e, ainda mais, no quartel, imaginei que poderia ser considerado uma espécie de matação de aula.

 Durante os debates, comecei a perceber que a participação dos alunos não era perda de tempo, tornava a aprendizagem mais fácil e mais significativa. José, um rapaz alto e magro, vindo da zona rural de Lorena, relatava as experiências da vida rural, da faina diária de tratar das vacas e da plantação. Outro jovem, motorista do quartel, narrava as viagens que fazia a serviço, contou-nos sobre a atuação do Exército por ocasião da tromba d’água de Caraguatatuba. 

Assim, todos iam aprendendo Geografia, História e Ciências baseados um pouco na lousa e um pouco nos testemunhos dos colegas. Se bem que, no fundo, parecia que eu estava meio que perdendo um poder, o de dominar todas as cenas da classe: quando um aluno falava, os outros ficavam olhando para ele, dava uma espécie de ciúme... Mas, no final do ano, já tinha percebido: aluno e professor, um não existe sem o outro. Foi esta a primeira turma para quem entreguei diplomas de conclusão de curso.

Meses depois, numa das ruas da cidade, cruzei com um militar comprido, magro, que me cumprimentou e parou para conversar. Era o José, de Lorena. Tinha feito o exame para cabo e foi aprovado. Ia seguir carreira. Disse que muita coisa que aprendeu nas nossas aulas caiu no exame. Agradeceu tanto, tão contente, que comecei a sentir que eu já estava virando mesmo um professor, ia ser que nem o Papai. 

*****

Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Na obra: ACONTECEU NA ESCOLA
Edição do autor – Pindamonhangaba
224 páginas; 21 cm
ISBN 978-85-913453-0-4
1. Educação. 2. Docentes. 3. Formação de Docentes
Contato com o autor: paulotarcizio@gmail.com

Foto: Professor Eduardo Guaycuru San-Martin


sábado, 8 de março de 2014

A menina e o golpe militar



Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio
Nem a armadura das palavras.
Thiago de Mello


Nunca acreditei que tenha sido em 31 de março. Para mim, foi uma revolução de primeiro de abril. Na verdade, um golpe militar. Mas nós professores, durante décadas intermináveis, éramos obrigados a comemorar a “Revolução de 31 de Março”. E não comemorássemos para ver as consequências...
Na noite em que a coisa aconteceu, minha mãe chorou ao lado do rádio. Eu e meus irmãos em volta... E desde o primeiro momento já tínhamos a claríssima noção de que era ilegalidade aquilo que estava sendo perpetrado.
Moços da roça, muito pobres, todos os dias indo para a cidade estudar... Tínhamos uma esperança tão sincera, tão singela, com relação ao governo do Jango... A esperança foi arquivada naquela noite, em 64, com minha mãe chorando perto do rádio.
Terminei a Escola Normal, comecei a lecionar e me tornei efetivo.
Em 71, lecionando no Porto Novo, em Caraguatatuba, eis que vinha chegando mais um trinta e um de março e eu era obrigado a explicar para a minha quarta série alguma coisa sobre a data. Difícil, porque não queria embarcar na propaganda oficial, nem podia dar abertamente a minha opinião sobre a tramoia.
Mas alguma coisa eu precisava falar porque os militares de São José dos Campos cobravam de nós, do litoral, um concurso de redações sobre a “revolução redentora” ...
Linda manhã de sol, era tão bonita a paisagem que se avistava pelas janelas da minha sala de aula, a escola com fundos para a vegetação da Praia das Palmeiras... E eu falando para meus alunos: Os militares tiraram o Jango... O Jango queria implantar o comunismo etc.
Maria levantou o dedo: Professor, o que é comunismo?
Que dificuldade! Para falar de comunismo eu queria falar de Cristo e dos índios brasileiros. Mas as metralhadoras e os paus de arara preferiam que eu falasse de Marx, União Soviética, Cuba, China, Diabos e Demônios. Fui pronunciando as frases, palavra por palavra, tateando no solo minado.
Está bem, então agora escrevam pelo menos uma página sobre a revolução de trinta e um de março. A Diretora já estava batendo na porta cobrando as redações: “Rápido, vão levar hoje para a Delegacia de Ensino e de lá para São José. Põe neste envelope, escreve o nome do professor, a classe, a escola, vamos, vamos, que é o último dia do prazo”.
Meu Deus! Não dá tempo de corrigir direito. Mas enfiei de novo a mão no envelope e puxei algumas redações (vamos por amostragem, tomara que não tenha muito erro de Português, não podemos envergonhar a escola...). A da Maria começava assim:

Os militares tiraram o João Goulart do poder porque ele queria pôr o comunismo no Brasil. Que bom se começasse o comunismo! Meu pai tem muita vontade de ter uma terra para ele plantar, eu também queria que ele tivesse uma roça que eu gosto de trabalhar com a terra. Mas o meu pai nunca vai poder comprar um sítio, que nós somos pobres. Se entrasse o comunismo no Brasil o meu pai ia poder ter uma terra para a nossa família viver, não precisava mais a gente pagar aluguel (...)

A letra era bonita, redondinha. Quase nenhum erro de ortografia, a concordância toda certinha. Mas aquela redação não poderia subir a Serra do Mar, não poderia dar entrada num quartel lá de cima, no Vale do Paraíba. Aquelas linhas inocentes, assim que fossem lidas pelos militares do CTA, iam pôr em movimento um eficaz sistema de repressão. Em vez de ganhar um pequeno prêmio, a redação da minha aluna ia disparar desgraças para todos: para ela, para sua família, para mim e meus colegas, até para a diretora chata, que nos perseguia... O próprio sossego do bairro seria de alguma forma afetado. E a manhã do Porto Novo estava tão linda, os coqueiros balançavam de leve no vento, os meus alunos tão bonitos com seus uniformes limpinhos...
O envelope foi para a diretoria, mas ficou na minha gaveta a redação da Maria. A diretora não teria mesmo tempo de conferir se estava faltando alguma. Na hora do recreio piquei bem miudinho aquela página tão sincera e tão bem escrita. Piquei, piquei, olhando para as minhas mãos de educador e tendo uma espécie de nojo daquilo que elas estavam fazendo.
Alguns anos depois eu me tornei diretor de escola e, desde o meu primeiro trinta e um de março como diretor, já decretei: Acabou, nós não vamos nunca fazer festa nessa data maldita.
Mas aí já nem era heroísmo nenhum, estávamos em 79 e o regime apodrecia. Difícil mesmo seria ter agido com tanta independência no ano de 71, lá no Porto Novo.
Durante algum tempo ainda, de vez em quando a Maria perguntava: E daí, Professor, aquele concurso de redação, o que que deu lá, não sabe quem que ganhou...?

• • •

Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Na obra: ACONTECEU NA ESCOLA
Edição do autor – Pindamonhangaba
224 páginas; 21 cm
ISBN 978-85-913453-0-4
1. Educação. 2. Docentes. 3. Formação de Docentes
Contato com o autor: paulotarcizio@gmail.com

terça-feira, 4 de março de 2014

O Club Republicano de Pindamonhangaba


VERBETE: Pindamonhangaba, 10 de abril de 1881. Ata de instalação – e mais duas atas subsequentes - do Club Republicano de Pindamonhangaba, na residência de João Marcondes de Oliveira Cabral. Importante por revelar que a instalação se deu bem antes da data noticiada por Athayde, que a coloca em 29 de julho de 1888. Fonte: Acervo do Museu Histórico e Pedagógico Dom Pedro I e Dona Leopoldina. Pesquisa e transcrição paleográfica do Dr. Paulo Tarcizio da Silva Marcondes.
FÓLIO 1

Acta  ǀ1
Aos dez de abril de mil oitocentos e oitenta e um, ǀ2
n’esta cidade de Pinda monhangaba, pelas oito ho- ǀ3
ras da manhã, nas casas de residencia de João Mar- ǀ4
condes de Oliveira Cabral, ahi reunidos os cidadãos ǀ5
republicanos: Dor. Carlos Lessa, Dor.José Manoel ǀ6
da Costa França, Dor. José Fortunato da Silveira Bulcão, ǀ7
Dor. Gustavo de Godoy, Dor. José Vieira Marcondes, Dor. ǀ8
Daniel Rezende, Dor. Francisco Moisés, o Coronel ǀ9
José Antonio Fernandes Villela, o Cap. Antonio Galvão ǀ10
de  França Costa, o Cap. João Antonio Marcondes Mon- ǀ11
teiro, Bento José de M. Marcondes, João Cabral, João Ma- ǀ12
rio, Pedro Arnaud Rezende, Olavo Rezende, João Martins ǀ13
da Silva, João Baptista de Carvalho, Paulo Orozimbo ǀ14
de Azevedo, Alfredo Marcondes, José de Sousa Reis Junior, ǀ15
e Alvaro Pestana, foi por proposta do Sr. Dr. Bulcão a- ǀ16
clamado Presidente interino o Sr. Dr. Costa França, o ǀ17
qual, abrindo a meza, indicou o cidadão Dr. Carlos Lessa ǀ18
para o substituir que foi unanimemente approvado, ǀ19
passando o novo eleito a ocuppar seu logar e convidan- ǀ20
do para assumir os logares de secretários aos cidadãos ǀ21
Dor. Bulcão e Alvaro Pestana. ǀ22
Forão apresentados dois officios, um do cidadão Tristão ǀ23
da Costa Rezende e outro do Dor. Marinomio de Brito com- ǀ24
municando á assembléa que, por motivos de saúde, ǀ25
deixavão de comparecer á reunião, mas que adherião ǀ26
ás resoluções da mesma e desejavão ser conside- ǀ27
rados como membros installadores do Club Re- ǀ28
publicano d’esta cidade. Forão ambos approvados. ǀ29
Em seguida o Sor.Presidente disse que a presente reunião ǀ30
tinha por fim eleger o Directorio do partido republicano d’esta ǀ31
cidade e a nomeação de delegados ao Congresso Republi- ǀ32
cano que terão de se reunir brevemente na Capital da ǀ33


FÓLIO 2

FÓLIO 2
da Província e convidava aos cidadãos presentes á votarem em ǀ1                             
um Presidente, secretario e tres delegados que representem o parti- ǀ2
do. Procedendo-se á eleição, verificou-se que obtiverão votos pa- ǀ3
ra Presidente, os seguintes cidadãos: Dor. Carlos Lessa, nove votos; ǀ4
Dor Gustavo de Godoy, sete votos; Dor Bulcão, tres; o Coronel Villela, ǀ5
um. Para secretario foram votados Alvaro Pestana com desessete  ǀ6
votos, Dor Bulcão um, Dor Gustavo, um, Bento Marcondes, ǀ7
um voto. Correndo o escrutinio para a eleição de delegados  ǀ8
ao Congresso, obtiverão votos os cidadãos: Dor Gustavo de Godoy, ǀ9
dezeseis votos; Dor Bulcão, 13, e Dor Mario 13 votos e ou-  ǀ10
tros menos votados. ǀ11
Uzando da palavra o Sr. Dor Bulcão e depois de aduzir diversas  ǀ12
considerações no sentido de tornar bem explicita a missão  ǀ13
do partido republicano nesta cidade, concluiu mandando á  ǀ14
meza para ser inserida na acta uma declaração, que de-  ǀ15
pois de ligeira discussão, quanto á redacção, em que to-  ǀ16
marão parte os cidadãos Dor Gustavo de Godoy e Dani-  ǀ17
el Rezende ficou assim concebida: Os abaixo assignados  ǀ18
considerando que o elemento democratico e a forma de Re-  ǀ19
publica Federativa é a unica  compativel com as circuns-  ǀ20
tancias, indole e necessidades dos americanos brasileiros, ǀ21
resolverão adherir ao partido republicano brasileiro, ap-  ǀ22
provando a organisação do mesmo partido nesta  ǀ23
provincia, cujos manifestos adopta e com cuja comis-  ǀ24
são permanente vai se pôr em relação enviando esta  ǀ25
declaração inserida na acta de instalação do Club.,, ǀ26
Assim se reiniciando[?], pelo mesmo Sr. Dor Bulcão foi mais  ǀ27
indicado e unanimemente approvado, que todos a-  ǀ28
queles que subscreverem a presente acta, embora não es-  ǀ29
tivessem presentes á reunião do partido, serião Considerados  ǀ30
como installadores do Club republicano nesta Cidade. ǀ31
Por proposta do Sr Dor Bulcão foi mais resolvido que o Sr. ǀ32
Presidente ficasse autorisado a nomear uma comissão de dois mem-  ǀ33


[FIM DO FÓLIO 2 – NÃO FOI ENCONTRADA A SEQUÊNCIA DESTA ATA]


FÓLIO 3

Acta ǀ1
Aos vinte e cinco de Julho de mil oitocentos e oitenta e ǀ2
cinco, n’esta cidade de Pindamonhangaba, nas cazas ǀ3
de residencia do cidadão Alvaro Pestana, onde se achavam ǀ4
reunidos os cidadãos republicanos: Dr. José Fortunato ǀ5
da Silveira Bulcão, Coronel José Antonio Fernandes Villela, ǀ6
Dr. Daniel Rezende, Bento José de Moura Marcondes, João ǀ7
Martins da Silva, João Baptista de Carvalho e Álvaro Pesta- ǀ8
na, foi aberta a sessão. ǀ9
N’essa, por proposta do Dr. Bulcão, foi rezolvido que se ǀ10
adoptasse para candidato do partido, á assembléa provin- ǀ11
cial de S. Paulo, por este 3º Distrito, o nome do cidadão ǀ12
Dr. Licurgo dos Santos, e que se levasse ao conheci- ǀ13
mento da Commissão Executiva,  visto ter o Congresso Repu- ǀ14
blicano conferido á aludida Comissão poderes para ǀ15
dirigir o pleito eleitoral. ǀ16
Quanto á indicação de um segundo nome para ser ǀ17
aprezentado  ao eleitorado, o club republicano d’esta cidade ǀ18
deixa de fasel-o, aceitando aquelle que pela Commissão ǀ19
Permanente fôr escolhido. ǀ20
Foi mais assentado, que se remettesse copia da ǀ21
presente acta ao [sic] respectiva Comissão para os devi- ǀ22
dos effeitos. ǀ23
Nada mais havendo á tratar-se foi encerrada ǀ24
a sessão. E para constar lavrei a presente acta ǀ25
que vae subscripta pelos cidadãos presentes, por ǀ26
mim, Alvaro Pestana, servindo de Secretario, que a ǀ27
escrevi. ǀ28


FÓLIO 4

Acta ǀ1
Aos 29 de Julho de 1888, n’esta cidade de Pinda- ǀ2
monhangaba, no salão do Theatro, ao meio ǀ3
dia, prezentes os cidadãos abaixo assignados, ǀ4
e sendo autorisado para prezidir a reunião o ǀ5
cidadão Commendador Ignacio Marcondes ǀ6
Romeiro, que passou a ocuppar a prezidencia ǀ7
e convidou para primeiro Secretario o Dr. Gusta- ǀ8
vo de Godoy e para segundo Alvaro Pestana, ǀ9
e assim constituida a meza provizoria, pelo ǀ10
Prezidente foi dada a palavra ao Dr. Gustavo, ǀ11
que expôz os fins da reunião, e depois de ǀ12
uma discussão de ordem sobre a forma das ǀ13
deliberações passou-se a , digo deliberação, fi- ǀ14
cando assentado que todos quantos assig- ǀ15
nassem a esta acta importam adherirǀ16
as ideias republicanas e ao programa ǀ17
do partido republicano paulista, passan- ǀ18
do a eleição do Directorio, que deu o se- ǀ19
guinte resultado: Comm[menda]dor Ignácio Mar- ǀ20
condes Romeiro, Dr Gustavo Godoy, Dr. ǀ21
Bulcão, Dr. Espindola e Alvaro Pestana. ǀ22
Em conseqüência de uma indicação do Dr. ǀ23
Bulcão que foi unanimemente approvada, ǀ24
ficou o Diretório encarregado de confec- ǀ25
cionar os Estatutos do Club Republicano ǀ26
local. Nada mais houve . Eu, Al- ǀ27
varo Pinto Rebello Pestana, a escrevi. ǀ28
            x Ignácio Marcondes Romeiro ǀ29
            x Dr. Gustavo de Oliveira Godoy ǀ30
            x Alvaro Pestana ǀ31
            x José Fortunato da Silveira Bulcão ǀ32
            x Ma[no]el Thomaz Mar[con]des Sousa ǀ33

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Fonte: Acervo do Museu Histórico e Pedagógico Dom Pedro I e Dona Leopoldina, de Pindamonhangaba
Pesquisa e transcrição paleográfica do Dr. Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
*****
Na reprodução, favor fornecer os créditos de fonte e de transcrição paleográfica.

domingo, 2 de março de 2014

O monstro







Na passagem dos cinquenta anos do golpe militar de 64, já tem uns bobinhos (que não sofreram aqueles dias), encantados com fardas e armas, tentando RELATIVIZAR a Democracia. Mais ou menos assim: "A democracia tem que ter limites", "Democracia sim, mas nem tanto", "Tem que ter muita responsabilidade, democracia só não basta", "Democracia sim, mas com equilíbrio" e outras frases hitlerianas e mussolinianas. Essas bobeiras me dão medo. São bobeiras que, de tanto serem repetidas, vão se entranhando nos vãos dos miolos de pessoinhas mais bobas ainda. Ora essa! Tem que haver DEMOCRACIA. Ponto final. Democracia sem adjetivo. A história demonstra (e eu vivi isto nas décadas de 60-70-80) que isto de ter "equilíbrio na democracia" significa misturar um montão de arbítrio com uma pitadinha de democracia, dando naquela merda que, anos depois, temos coragem de chamar pelo nome verdadeiro: ditadura, com todos os seus horrores.


O MONSTRO

Disseram que ele nunca mais viria
mas se o monstro voltar aqui um dia

alguns o abrigarão em seu partido
outros se calarão sem um gemido

alguns entregarão o pai e o irmão
outros vão se erguer diante do dragão

alguns vão bater palmas comovidos
outros vão virar “desaparecidos”

alguns vão ponderar em seus jornais
outros ficarão com o pé atrás

alguns elogiarão suas medidas
outros vão panfletar às escondidas
(depois serão dados por suicidas)

alguns dormirão com o inimigo
com a intenção de proteger o amigo

outros vão trocar de identidade
e ocultos falarão de liberdade

alguns se venderão por seu dinheiro
outros fugirão para o estrangeiro

alguns se enquadrarão em continência
outros vão pregar a desobediência

alguns vão cochichar pelas esquinas
outros montarão rádios clandestinas

alguns discutirão com alegria
outros nunca mais andarão de dia

alguns que ambicionavam ser eleitos
vão virar senadores ou prefeitos

outros, conforme as únicas notícias,
vão morrer “em confronto com a polícia”

alguns armarão falsas eleições
outros farão denúncias nas canções

alguns ganharão cargos de presente
outros serão cassados de repente

alguns se esconderão em sua terra
outros irão se declarar em guerra

alguns farão poemas de protesto
outros morrerão no final de um gesto

alguns subirão por caminhos tortos
outros lembrarão os presos e os mortos:

isso se por desgraça retornar
o monstro que não ia mais voltar.


*****
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Livro “Terra Vegetal”
Editora Scortecci