Eu tinha vinte e um anos quando fui trabalhar na AISA. Todos da Anodização estavam mais ou menos na mesma faixa de idade: o pessoal do Polimento, do Banho, das Gancheiras, do Controle, da Embalagem, da Expedição... Todos com menos de trinta anos. É verdade que depois chegou o seu Maia. Mas antes dele tinha vindo o Seu Taha, o primeiro com mais de quarenta.
Jordaniano de nascimento, contava-me as histórias de seu país e isto alimentava a minha vontade de aprender. Eu queria saber, queria conhecer, através das palavras dele, os rios, os desertos, as palmeiras, os alimentos, os costumes árabes, as tradições. Seu Taha me ensinou, no meio dos barulhos das politrizes, a dizer em árabe frases de saudação, de despedida, de brincadeiras. Ensinou-me a gostar de halewa, o doce árabe feito de gergelim.
Educadíssimo, respeitador, só mostrava o seu temperamento brincalhão com quem soubesse brincar mantendo o respeito. Aprendi que podia lhe contar piadas sobre árabes, desde que não os confundisse com os turcos. E desde que não envolvesse pessoas com nomes de santos – os profetas que, na tradição cristã, aparecem como os patriarcas do Velho Testamento.
Com essas ressalvas, eu podia fazer o Seu Taha dar boas risadas com minhas brincadeiras. Quando ele se afastava da mesa, eu trocava a chave dele. Na volta, ele ficava tentando inutilmente abrir a gaveta para pegar o lanche, até desconfiar que era mais uma travessura minha. Então olhava para mim: “Ah, Seu Baulo, Seu Baulo...”
Sua tarefa era preparar as peças que eu deveria inspecionar. A gente disputava para ver quem vencia o outro na velocidade. “Eh, Seu Taha! Muita areia pro seu caminhãozinho?” Mas quando ele disparava a passar óleo com a estopa e eu me atrasava examinando alguma peça com defeito, ele aproveitava, vinha trazendo as bandejas de peças já preparadas, colocando uma sobre a outra e fazendo a gozação de passagem: “Seu Baulo, caminhãozinho tá com broblema?”
Então eu saí da AISA, ingressei no magistério do estado, mudei para Caraguá, depois Jacareí. Uma vez, passeando em Pinda, visitei o Seu Taha, que morava em frente à fábrica de guarda-chuvas. Fiquei encantado com sua atenção. Ele convocou para a sala todos os filhos: “Venham escutar o Seu Baulo, ele é brofessor, ele sabe!”. Seu Taha me pediu que falasse sobre os cursos de ensino médio (na época, segundo grau), queria orientação para os estudos dos filhos. Então fiquei ainda mais encantado foi com a educação dos adolescentes, muito atentos à nossa conversa: isto já era muito raro!
Passaram-se muitos anos. Voltei de vez para minha terra. Quando fui saber, Seu Taha tinha falecido. Perdi meu amigo. Fiquei triste, tinha ficado muitos anos sem conversar com ele.
Seu Taha Youssef Mohammed Elkatib, meu amigo: saudade daquele tempo!
* * * *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: rondoniadigital.com