O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Natal das crianças

 



O ano inteiro a gente ficava perguntando um para o outro: O Natal ainda tá longe?

Ansiedade crescia quando entrava dezembro. Exposição na escola, músicas na igreja, coração quase disparava. Aí um respondia: Natal tá chegando... Outro falava: Tá perto da estaçãozinha... Vem vindo...

E uma linda manhã eu acordava com o Zaga falando: Olha debaixo do travesseiro!

Tinha três avelãs debaixo do travesseiro! Isso era um aviso: era o dia vinte e dois de dezembro. Quase Natal. Dia que o Pai começava a fazer o Presépio!

Uma parte do presépio tinha passado o ano inteiro em cima do guarda-roupa, dentro de três caixotes. Outra parte se renovava todos os anos. Papai já tinha ido buscar na fábrica o rolo de papelão azul, para as montanhas, as folhas de papel de seda, para a lapinha, um pouco de serragem para dizer que era areia dos caminhos, anilina em pó e goma arábica.

A mesa da cozinha era levada para o canto da sala, para receber a montanha. Papai desenrolava o papelão azul, olhava para a gente e de repente falava: Não vou mais fazer presépio nenhum, vocês estão fazendo bagunça! E amassava todo o papelão, pisava em cima dele  e a gente dando gargalhada! Sabia que era tudo brincadeira dele. O papelão tinha que ser amassado mesmo, para representar as dobras das pedreiras, as entradas das montanhas...

Nas quinas das dobras, Papai passava goma arábica e soprava o pó da anilina prata, ficava igualzinho pedra. Depois vinha com anilina diluída, azul, verde, preta, vermelha, ia salpicando com o pincel pela montanha inteira. Maravilha! Daí parava e falava: Vamos buscar parasita no calipeiro!

Isso sim, era alegria. O Pedro e o Carlinho corriam buscar bambu comprido, pegaram bambu que estava erguendo o varal, a Vó não gostou: Olha a minha roupa aí! Vai derrubar! Mas não derrubou não.  Ana Clara pegou a cesta e nós fomos todos com o Pai buscar parasita.

Eram umas orquidinhas simplesinhas, dessas que tem aqui na cidade, no fio dos postes mesmo. O Pai cutucava com o bambu, gostava que caía a parasita junto com um pedacinho da casca do eucalipto. E a gente passeando no meio das árvores gigantonas, brincando que era uma selva.

Voltamos com a cesta cheia. Papai foi pondo as parasitas no vão das montanhas, ia ficando igual o mato na serra.

Chegou a hora de abrir os caixotes. Primeiro, ele pegou a Vista e foi desdobrando. Era uma paisagem pintada num papelão bem comprido, o papelão era azul também, tinha a pintura de uma serra azul, com pássaros voando, tudo escuro, para dizer que era noite. A Vista foi estendida por cima da montanha, pegando o tamanho inteiro do presépio, encostando no forro, dobrando no canto da sala.

Mamãe ajudando. Vovó também. Espalharam a serragem cor de areia, imitando uma estrada, puseram pedrinhas na beira da estrada e a serragem tingida de verde nos dois lados da estradinha.

Agora que os caixotes foram abertos, elas iam tirando tesouros secretos lá de dentro. Papai tinha colocado um pedaço meio redondo de vidro, era um lago, na beira da estrada. Elas puseram conchinhas na volta toda do lago. Depois puseram três patinhos de celuloide nadando no vidro, um menininho barrigudo querendo pular na água.

Surgiram de dentro dos caixotes umas arvorezinhas feitas de bucha de tomar banho, tingidas de verde. Foram colocadas também na beira da estrada.

Papai fez uma estradinha que terminava num canto da montanha. Mas colocou um caco de espelho enfiado na montanha, meio disfarçado atrás de uma parasita. A estradinha ficava refletida no espelho, parecia que entrava na montanha e ia embora para bem longe...

Mamãe se encarregou duma parte bem delicada, fazer a lapinha, a gruta onde o Deus Menino nasceu. Papai tinha deixado uma entrada bem no meio da montanha de papelão. Ali mamãe foi colocando folhas de papel de seda meio amassadinho, amarelo, rosa, azul clarinho, parecia que a lapinha estava cheia de nuvens coloridas. Atrás dessas folhas, Papai colocou um soquete com uma lâmpada bem fraquinha.

No chão da gruta colocaram palha tingida de verde. E aí começaram a chegar as figuras mais importantes e foram ocupando seus lugares: o Anjo, Nossa Senhora, o Menino Jesus no berço, São José, o Boi, o Burro, os Pastores, os Carneiros, tudo isto dentro da lapinha, ou chegando perto.

Os Reis Magos com seus camelos foram colocados na estrada. Ainda não era dia da chegada. Primeiro, eles foram colocados bem longinho. Lá perto do lago dos patinhos. Mas cada dia o Pai deixava a gente fazer o camelo andar um pouco, porque no dia seis de janeiro era para os três Reis magos chegarem na lapinha para entregarem os presentes: ouro, incenso e mirra.

O Presépio estava quase completo. Ainda surgiram dos caixotes algumas outras figuras: o Gato com a cara amassada, dois Cães, um Leão, o Tigre. Esses bichos foram espalhados pelas montanhas. E surgiram também umas belezinhas de casas bem pequenas, feitas de cartolina, com teto de papelão, janelas com vidraças de celofane, com chaminezinhas. Também ficaram pelas montanhas...

O presépio estava pronto. Agora, era esperar o Natal.

Dia 24, às seis horas da tarde, quando bateu o sino da igreja, Mamãe mandou que cada um pegasse um pé de sapato e pusesse no banco diante do Presépio.

Feito isso, nós todos fomos chamados para o quintal. Papai ia ler a História Sagrada para a gente, lá debaixo da mangueira.

Papai lendo a História Sagrada: São José e Nossa Senhora peregrinando de Nazaré a Belém, a gente com dó, ninguém podia dar pouso para eles, até que alguém ofereceu para eles passarem a noite numa gruta onde dormiam uns carneiros, boi, burro.

Daí Mamãe pediu licença, precisando ir ao banheiro lá dentro.

Mamãe volta, Papai termina a leitura, a parte que os pastores vão visitar o Menino Jesus com os anjos cantando.

Papai fecha a História Sagrada e Mamãe fala: Vamos ver se o Menino Jesus trouxe alguma coisa para vocês.

Corrida pelo quintal para dentro de casa.

Junto dos sapatinhos: Brinquedinhos, saquinho com avelãs, nozes, ameixas secas, figos, uvas passas...

Cada um mostrando o brinquedo para os outros. Depois, procurando jeito de quebrar as cascas das nozes e das avelãs, nas janelas, nas portas, ou com o martelo do Pai.

Mas não tinha acabado! Carlinho saiu para o jardim e achou um engradado de guaraná caçulinha no canteiro das rosas! Era uma festa em cima da outra! O Natal gostoso!

Depois de todos satisfeitos, todos nos juntamos na frente do Presépio para rezar e cantar. Noite Feliz! A luz da lapinha estava acesa. A gente não via a lâmpada, só via as nuvens de papel de seda clareando tudo. Até os patinhos do lago.

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Texto e foto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes