Quase uma hora da tarde. No meio da multidão de alunos,
eu descia a ladeira da Bicudo Leme, sob o sol de verão, indo para o Instituto.
O colorido das calças cáqui, das saias azuis, das blusas brancas com emblema, o
falatório geral, as risadas, os gritos, tudo aquilo me deixava meio tonto, com
vontade de não estar indo para a escola coisa nenhuma. A terceira série do
ginásio não me alegrava.
O que me alegrava era ficar em casa, no quintal, debaixo
das ameixeiras, cuidando dos animais, limpando o galinheiro, o chiqueiro,
levando as cabras para pastar, arrumando os canteiros das verduras. Queria
ficar olhando as gaiolas dos passarinhos, queria pegar numa vassoura e ir
varrendo o caminho que passava entre as bananeiras e terminava lá no fundo, no
muro da fábrica. Eu estava deprimido naquele ano, mas nem sabia o que era isto.
Algumas semanas antes, tinha ido à Imperial, para comprar
as meias pretas e mais alguma coisa do uniforme. Tudo na conta da Companhia
Cícero Prado, era o prêmio por ter tirado o diploma do primário em primeiro
lugar. Só que, na hora de escolher as meias, um problema: a loja não dispunha
de meias inteiramente pretas. As que comprei tinham três bolinhas vermelhas no
punho. Mas isto ninguém ia ver, debaixo das calças cáqui.
Dobrei a esquina, junto com o rebanho de alunos. E todos
foram diminuindo a marcha, havia um aglomerado junto aos portões: os inspetores
estavam verificando os uniformes e recolhendo as cadernetas. Eu me sentia em
paz: meu uniforme completo, minha caderneta no bolso. Podem me examinar, Seu Cacá,
Seu Lula, Seu Gumercindo, Dona Toninha, Seu Mattos... Não vou perder a prova de
hoje.
O Seu Lula me parou. Fui mostrando: “Está tudo certo,
camisa com emblema, a calça cáqui, cinto preto, sapato preto, meia preta”. Mas
então ele falou: “Levanta a perna da calça!”. Então lembrei do problema das
meias, puxei para cima só um pouquinho a perna da calça. “Levanta mais! Quero
ver a canela!”. Meu Deus do Céu, levantei mais um pouco e ele bradou
triunfante: “Tem essas bolinhas vermelhas, não é meia do uniforme, não vai
entrar”.
Argumentei, sem força. Pedi, mostrei que as bolinhas nem
apareciam, só se alguém fosse arregaçar as minhas calças. Não adiantou, ele já
me descartou de lado, o rebanho precisava passar. “Vou perder prova, Seu Lula!”.
Ele nem respondeu, os colegas que entravam me empurravam para a calçada, sem
querer: era a multidão. “Seu Lula, eu vim de Coru, vou perder aula, vou ter que
voltar?” Mas ninguém deu atenção, fui embora.
Nem tinha ônibus do Seu Ciro naquele horário, tive que
pegar o Pássaro Marrom, descer na estrada, no Portão de Coru, andar um trechão
até chegar em casa. O Pedro estava lá, ele estudava de manhã. Começamos a consertar o telhadinho de sapé da casa da cabra. Deu tempo ainda de aproveitar o vento, empinar pipa com o Bosco. De
noite, a Vó fez arroz com linguiça de lombo, bem fritinha.
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Texto de Paulo Tarcizio da
Silva Marcondes
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