O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Protegidos pela bondade



Foi no decorrer do segundo ano de escola que fiquei órfão de pai. Este era um papel melancólico, que atraía a atenção de todos, porque envolvia alguns rituais. Tínhamos que usar, durante um ano, uma tarja preta na gola do paletozinho. Mamãe tinha que usar roupa inteiramente preta. Adaptado à condição de órfão, fui percebendo algumas mudanças no modo de nos tratarem.
Toda vez que a gente ia comprar pão, ganhava um doce da Dona Naná. Nessa época estava germinando em mim o espírito de preocupação com os outros, a tendência de cuidar: O doce que eu ganhava, tendo ido sozinho à padaria, bem que poderia comer sozinho, com três mordidas e pronto. Mas não: levava para casa, ia com ele pelo meio dos eucaliptos que rodeavam o campo de futebol, ia com a sacola de pão e o doce e entregava tudo para mamãe, ou vovó. Então elas repartiam, cortavam com a faca – uma cirurgia ritual para multiplicar o doce por oito, já que éramos oito irmãos. Lembrando que precisava guardar uma fração para quem não estava, para quem ainda não tinha voltado do serviço, ou da escola.
Quando a gente ia comprar alguma coisa no bar, ganhava do Seu Rozalah, ou do Seu Zé Souraty, um picolé. Aleluia! Mas isto durou pouco, pouco mesmo. Um dia, fui à leiteria com o Bosco e a Auxiliadora. O Bosco se comportou, ganhou seu sorvete e ficou chupando bem calmo, chupando por igual, para não deixar que o picolé afinasse muito no centro e acabasse desabando do palito. Mas a Auxiliadora, coitadinha, não. Ela chupou um pouco o picolé de coco, enjoou, jogou fora. Entrou de novo no bar: Agora eu quero de abacaxi. Minha irmãzinha, tinha cinco anos, lourinha, tão alegre...
 Ganhou o picolé de abacaxi, saiu, foi se sentar debaixo do pé de suinã. Duas ou três chupadas, jogou fora e veio de novo: Agora eu vou querer... de groselha! Naquele dia acabou a facilidade do sorvete. Mas o doce da padaria continuou, porque as crianças não abusavam. E sempre vinha um pãozinho a mais, além dos que a gente pagava.
******
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: Coleção Coruputuba – Museu Histórico e Pedagógico Dom Pedro I e Dona Leopoldina

Nenhum comentário:

Postar um comentário