O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

As bicicletas da igreja


Na igreja de Coruputuba parece que tinha reza toda noite, ou alguma função sempre acontecia. Reunião das entidades: Congregação Mariana, Vicentinos, Filhas de Maria, Irmandade de São José... ou alguma reza simplesmente, com bênção do Santíssimo.           

Maio era inteirinho uma festa de meninas bonitas, ensaiando, disputando, querendo os lugares de honra na Coroação. Ou coroar mesmo, cantando o solo, ou segurar a bandeja com a coroa, cantando junto com o coro, ao som do harmônio do Maestro João Antonio Romão.

Em volta da igreja, encostadas nos coqueiros, destrancadas, centenas de bicicletas. E eu e o Bosco louquinhos para pedalar sem limites, treinar, voar, sem reprimendas nem horários.      

Acontece que, sim, de dia tínhamos a generosidade meio negociada do primo Valério, que acabava emprestando a bicicleta dele: Olha, só uma volta em volta do campo! Tá bom, duas! Depois é o Bosco.  Também podíamos contar com a complacência do Araújo, sempre com algumas ressalvas: Tudo bem, mas só um pouco, pneu tá meio no osso etc.    

Mas à noite, não! Aquelas bicicletas de adulto, todas engraxadas, polidas, correntes ajustadas, freios em cima! Pneus calibradíssimos. Encostadas nos coqueiros, sem tranca, porque em Coruputuba não tinha quem pegasse coisa dos outros sem pedir.

A gente escolhia. Hoje vou pegar a do Seu Chico Lucio! Ah, e eu vou com a do Seu Camargo! Ah não, vou trocar! Faz tempo que não ando com a do Seu Pedro Moreira! É? Então vou com a do Seu Paulino, que tem farol duplo.       
           
E dali a pouco, estávamos saindo do pátio, às vezes trombando nos coqueiros, 
porque andar devagar é mais difícil do que correr, e pegávamos a estrada da fazenda, voando! Ê vida! Vento no cabelo! Velocidade até o farol ficar tão claro que quase queimava, então a gente diminuía.         

Outra noite, outras escolhas, outras bicicletas. Outros donos, que nunca souberam de nada. E outros trajetos. O Bosco inventava e eu topava: Vamos pra Estaçãozinha! Vamos! Na volta, na volada, derrapei na areia sobre os trilhos e fui parar lá longe. Nem esfolou o joelho. Mas o guidão virou do avesso e o varão do freio escapou.       

Cuidadosamente consertada, a bicicleta voltou para o coqueiro. Era a bicicleta do Seu Antônio Ramos.         

Mas nunca perdemos a hora. Sempre chegamos com tempo para as três últimas ave-marias e para a benção final.        

Claro que meio suados, alguma areia no cabelo, algum dedo esfolado, mas com ar de coroinha carola, dava para cumprimentar os adultos sérios e observar a saída deles nas bicicletas bem conservadas, instrumento do trabalho deles na fábrica.        

Eu e o Bosquinho voltávamos a pé para nossa casa, ali pertinho mesmo. Esperando a reza do dia seguinte.        

Só fomos comprar as nossas bicicletas, nossas de verdade, Monark Barra Dupla Circular, anos depois, no japonês da Loja Bandeirante, com o primeiro salário da AISA. Já sabe, sempre trancadas, não empresta pra ninguém, que o pessoal não toma cuidado.

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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

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