Já tínhamos feito o trabalho de carpintaria de serrar e martelar, construindo um bom chiqueiro no lado mais ensolarado do quintal. Então, na manhã de um sábado, fui com o Pedro, levando sacos de estopa, até a Vila Campineira, comprar uns leitões na casa do Rubens e do Guido Magalhães. Esses meninos tinham sido meus colegas no primário e ficaram alegres com nossa visita. Negociamos com o pai deles e trouxemos dois porquinhos e uma porquinha. Voltamos contentes, pela Vila Bela, para soltar os bichinhos na casa nova deles, que ainda tinha cheiro de serragem.
Ainda naquela semana, fomos nós dois, mais o Bosco, até a Volta da Bananeira, que a gente ainda não conhecia, fomos levando a cabrita marrom, para deixar lá, na casa do dono do bode grande, para ela pegar cria. Demoramos para encontrar, erramos o caminho, tivemos que voltar um trecho e perguntar na Vila Esperança. No fim, deu certo. Chegamos de volta em casa já de noitinha.
Uma viagem que sempre eu fazia com o Pedro era para Pinda, de ônibus, para comprar farelo de arroz na máquina do Andrade. Tempo em que a agência da Pássaro Marron ficava na Expedicionários, em frente ao Brasília Lanches e à Banca do Seu Romeu. Na máquina de arroz, geralmente, não tinha farelo pronto, ficávamos vendo a máquina agitando o arroz integral, tirando a película bege, que virava farelo - e o arroz saía branquinho do outro lado.
Anos mais tarde, todos os irmãos já estavam moços, fizemos passeios inesquecíveis e cansativos. Julho de 1966, um sábado, jogos da Copa do Mundo, fomos para Tremembé. Uma aventura, pequena, mas uma aventura. Saímos de Coruputuba. Pegamos o ônibus azul em frente ao Pujol, levando lanches e refrigerantes. O Carlos, o Pedro, o Zaga, o Bosco e eu. Conhecemos a Basílica do Bom Jesus, a praça de árvores frondosas, fomos lanchar perto da fonte, tomamos a água milagrosa. Carlos levou o radinho de pilha. Acompanhamos o jogo em que Portugal ganhou da Coreia do Norte por 5 a 3.
Voltamos a fazer um passeio magnífico foi em 1967. Para Campos do Jordão. Aí já estávamos morando em Pinda. Eu fui o cicerone, conhecia alguma coisa da cidade. Já sabia que os preços da alimentação ali eram muito altos. Por isso, levamos bastante comida. Frango assado, farofa boa, pães, latas de sardinha...
Subimos para Campos no bondinho das seis horas. Muita neblina. Só clareou tudo na estação de Lefévre, quando passamos para cima das nuvens. Céu azul lá em cima e um colchão de nuvens brancas debaixo da gente.
Em Campos, íamos comer debaixo dos pinheiros. Mas choveu e só o Carlos que tinha guarda-chuva. Fomos todos para um restaurante e pedimos coca-cola. Pedimos emprestados alguns pratos. E fomos desembrulhando os frangos, as sardinhas, a farofa e outros itens.
Depois de bem alimentados, subimos o Morro do Elefante. Tempos e tempos nós ficamos olhando a cidadinha lá embaixo. Parecia uma cidadinha de presépio. Carrinhos. Pessoinhas andando. Arvorezinhas... No topo do Morro do Elefante tinha um Santo Cruzeiro. Só isto, naquele tempo.
Os anos se passaram muito depressa e nosso trabalho de professores nos levou por caminhadas diferentes. Enquanto eu andava pelo Porto Novo em Caraguatatuba, e pelo Rio Abaixo em Jacareí, o Pedro fez caminhadas pela Serra da Mantiqueira, em diferentes escolas. Andou quilômetros na sombra escura das araucárias, no Parque Estadual, lecionando numa escolinha muito longe de qualquer povoação. A cama de armar ficava dobrada atrás da porta durante as aulas. As crianças conversando, amigáveis, ele explicando, ditando lições, os alunos perguntando. Fora das paredes de tábua, o ruído da chuva nos pinheiros. Então acabava a aula, os alunos davam tchau, iam embora, ele ficava sozinho. No silêncio, só o barulho da chuva. Ia escurecendo, na mata escurece logo, hora de cozinhar o arroz na panelinha, no fogareiro. A medida de arroz era um potinho vazio de danone. Tudo certinho, a lanterna presa debaixo do braço esquerdo, a solidão por companhia. A noite quieta. O próximo som que ele ia escutar seria de manhã, quando as crianças chegassem com suas conversas e perguntas e risadas. Até lá, o silêncio, e as gotas da chuva.
Mais um pacote grande de tempo rolou, e nós dois pudemos caminhar juntos na Serra do Mar, no meio da Mata Atlântica, entre Ubatuba e São Luiz. Tinha chovido na véspera e tudo agora estava azul e ensolarado, a mata brilhava. Na trilha, as botas não faziam barulho, tudo encharcado. De repente, uma arvorezinha se abalou e choveu debaixo dela. Era um esquilo, que pulou mudando de galho. Nós dois nos agachamos, paralisados. O bichinho também parou, os bigodes se agitando, as mãozinhas no peito, o nariz se movendo. Instante - e pulou num tronco caído, correu ao longo dele, muito rápido, em dois pulos trepou na outra árvore, sumiu-se na folhagem. O Pedro falou: Nossa, Paulo.
Depois os anos se passaram, todos de uma vez só, e não deu tempo de fazermos a caminhada que uma vez começamos a combinar e nem terminamos de combinar direito. Que era de irmos a pé até Aparecida, conversando no caminho, rezando o terço, lanchando na beira da estrada, conversando de novo, comentando as muitas andanças que já tínhamos feito pelos caminhos deste mundo de Deus. Não deu tempo, Pedro, meu irmão. Mas caminhamos bastante.
Texto e fotos de Paulo Tarcizio