Era o meio de uma manhã de trabalho na AISA. Os barulhos costumeiros da Anodização: o entrechocar de peças no Banho, o rugido das politrizes no Polimento. As conversas em voz muito alta para encobrir o ruído ambiente. A neblina que subia dos tanques do eletrolítico ia se acumulando junto ao telhado.
Eu estava controlando as chapas largas da Philco, passando a estopa, olhando rapidinho, batendo o carimbo de aprovação, pegando outra chapa, tudo bem ligeiro. Lá no outro lado da Embalagem, o Munhoz abriu a gaveta, pegou a lata de goiabada, fatiou com o canivete e já ia se servindo. Ele me viu e me chamou:
− Vai goiabada, professor?
Fiz que não, obrigado. Eu não queria goiabada, naquela hora. Tinha acabado de tomar café, estava trabalhando acelerado, e depois, se aceitasse, ia ter que atravessar todo o galpão só para ir lá do outro lado das mesas pegar um pedaço de doce. Parecia que estava enrolando o serviço, tanta chapa larga e maçaneta da GM para controlar, os supervisores passando toda hora, o Mauro Boca sempre atento, o Cramer de olho...
Mas o Munhoz insistiu:
− Ô louco, professor, pega aí!
Puxa vida. Sou novo aqui na AISA, todo mundo me chama de professor, se eu não aceito vai parecer que sou muito soberbo, querendo ser mais que os outros... Está bem, vou lá aceitar a goiabada! Larguei a estopa na mesa emborrachada, as chapas largas amarelas na bandeja, fui contornando as mesas.
O Munhoz me esperava com um grande sorriso, a fatia de goiabada espetada no canivete. − Obrigado, Munhoz! − fui dizendo e estendi a mão para pegar. Mas o Munhoz enfiou o doce na boca e ficou mastigando e dando risada para mim. A seção inteira dava risada, o Baixinho, o Araújo, o Dadá, o André, o Patinho, o Vanderley...
Olhando para a cara do Munhoz, pensei um nome bem feio para a mãe dele, mas fiquei caladíssimo. Virei as costas e fui voltando rápido para o meu lugar, retomar o serviço, enquanto ele bradava: − Nossa, professor, que isso, levou a mal?
Cheguei na minha mesa, retomei o exame das chapas largas. O Munhoz veio atrás de mim: − Ô louco, professor, nossa! Que isso, eu tava brincando, não precisava levar a mal. Toma aí, pega a goiabada!
E me estendia uma nova fatia do doce, espetada na ponta do canivete.
Foi um dos grandes momentos de hesitação na minha vida. Pegava ou não pegava? E se eu estendesse a mão e de novo ele engolisse o doce na minha cara? E se eu respondesse que não queria doce nenhum e ele ficasse ali insistindo, o que eu ia fazer?
A seção inteira parou de examinar e de embalar as peças de alumínio. Resolvi: se ele repetir a palhaçada vou arrancar a lata da mão dele na marra. Pensei: mas se eu cortar a mão na lata, ou no canivete?
Bem devagar, estendi a mão e peguei o doce. O Munhoz ficou sorrindo e falou:
− Pensou que eu ia sacanear de novo, né professor?
Então, nós dois ficamos mastigando goiabada e dando risada junto.
* * *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: overmundo.com.br
Foto: Filme Tempos Modernos – Charlie Chaplin
kkkk Entendi perfeitamente sua situação.Esse Munhoz era bem capaz de repetir a gracinha.Eu não tenho esse temperamento seu.Diria cobras e lagartos para o Munhoz!Alias, dificilmente eu iria pegar o doce! Goiabada não me apetece kkk. Mas, sempre tem um Munhoz para fazer gracinha na vida da gente.Faz parte
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