O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

terça-feira, 17 de março de 2020

Medicina tropical



Assistindo aula do Professor Waltinho, na terceira série do ginásio, aconteceu que comecei a verter sangue pela barriga. Era uma feridinha, que coçava, não sabia o que era, mas começou a escorrer sangue, mansamente, molhando o uniforme. Quase ao mesmo tempo, outra feridinha, na garganta, cismou de se manifestar também, fiquei bem chateado, na sala de aula, com sangue, levantei, nem precisei me explicar com o meu professor de geografia, ele já foi falando, vai na sala da Dona Clélia.
A nossa orientadora educacional ficou espantada, providenciou alguma gaze, limpou, tapou com esparadrapo, não sabia o que era, pediu a caderneta e escreveu um recado para minha mãe.
Dia seguinte, Dona Tereza estava lá no ginásio comigo. Da conversa, surgiu uma teoria esdrúxula, podia ser um sintoma de sífilis infantil, ou juvenil, eu tinha uns quatorze anos. Mamãe falou, pode deixar, vou levar ele em Taubaté.
Cedinho, saímos de casa e fomos, eu e minha mãe, até a estaçãozinha, pegar o expressinho para Taubaté. Uma paradinha em Pinda, e toca para Taubaté. Daí, fomos para o Hospital Santa Isabel. A famosa espera, mas com muita atenção do pessoal, em certo momento vem um prato de comida, muito bom, para mamãe também. Até que nos chamaram.
Era um médico bem jovem. Preencheu umas fichas, fez perguntas, quis saber de mim: “Já desceu?” E eu não sabia o que era que devia ter descido. Ele explicou, falava dos testículos. Tive que baixar a roupa para ele ver, que sim, os testículos estavam normais. Eu embasbacado, o que será que isto tem a ver. Então ele examinou bem as feridinhas, perguntou sobre elas, resmungou um pouco, começou a preencher uns formulários de receita.
Então a porta se abriu de supetão e entrou no consultório uma enorme e risonha lenda: Dr. Tarciso Leonce Pinheiro Cintra. Era diretor daquilo tudo. Cumprimentou todo mundo, quis ver as anotações do jovem médico: “Hum, sífilis... nessa idade, não? que coisa...”  Sentou-se num canto  e me chamou, tira a camisa, e foi a vez de ele examinar as minhas feridinhas. Olhou bem, pegou um algodão, deu uma olhadinha para o médico moço que estava meio paralisado, perguntou assim, dando uma meia risadinha: “Você estudou medicina tropical, não foi?”
E deu um espremão no gordinho em volta da feridinha e um negócio espirrou atravessando a sala e foi bater lá na parede e caiu no chão. Negócio meio branco meio amarelo com uns pelinhos pretos. Falou para o médico moço: “Alá a sua sífilis no chão...” Em seguida, coitado de mim, espremeu também a ferida da garganta, doeu, e outra sífilis também espirrou, não tão longe.
Dr. Tarciso se levantou, foi na pia, lavando as mãos, ainda brincando, falou para o colega novo: “Você precisa ir mais para a roça, isso aí é berne. O menino não tem sífilis nada.”
Depois, enquanto me limpava daquilo tudo e fazia um curativo bem legal em mim, foi conversando, sossegado: “Você corta capim, para a vaca? Ah, não? Para a cabra? Tudo bem. Você leva o feixe de que jeito? Ah, então. Sabe que a mosca de berne não bota o ovinho no animal, ela bota no capim, sabe que o gado vai passar por lá, o ovinho vai grudar no pelo do animal, vai virar um berne, que vai entrar na pele da vaca, da cabra, para se alimentar de sangue e se transformar em mosca. Foi o que aconteceu com você. Dá um jeito de levar o feixe de capim de modo que não toque na sua pele. E tudo bem.”
Saímos de lá bem satisfeitos. Eu tinha conhecido um médico de verdade. Dr. Tarciso Leonce Pinheiro Cintra. Nunca mais esqueci.
Eu e o Bosco, daí em diante, começamos a embrulhar os feixes de capim num saco de estopa. A cabra também não teve mais berne.

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Texto: Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: História do Hospital Santa Isabel

2 comentários:

  1. Olá Sr. Tarcisio, eu havia escrito para você há algumas semanas tanto para seus comentários de registro quanto para seu endereço de e-mail, na esperança de obter sua ajuda na obtenção de mais informações sobre a vida de minha prima, Léonie Maria BAZIN e seu marido, Dimitrius Stambolos. Talvez você possa me informar se puder me ajudar. Muito Obrigado! G. Bazin-Rowe lacitadelle123@gmail.com

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