Claro que eu tinha medo de boi, mas disfarçava bastante e, de tanto disfarçar, até que acabei diminuindo meu medo. Mais tarde, na vida adulta, cheguei a lidar com gado. Mas, na infância e na adolescência, o duro mesmo era me defrontar com boi solto. Ah, meu Deus, se houvesse uma cerca de arame farpado, eis a salvação! Quanta vez corri e vazei por baixo do arame! E depois fiquei bem contente vendo a boiada passar.
Mas sem arame, fazer o quê?
Pavor eu tinha era quando ia indo cedinho, madrugada, quase noite ainda, junto com o Zaga, para pegar o Pássaro Marrom das seis e cinco no Portão (era assim mesmo, o ônibus tinha esse horário exato!) para ir estudar na Escola Normal - e o Zaga, no Científico.
Às vezes, havia uma boiada no caminho.
Às vezes, havia uma boiada no caminho.
Acordávamos com o apito das cinco horas. Era tempo de acender o fogo, passar o café, comer rapidinho, pegar os cadernos e nós dois íamos, no meio do frio, pegar o ônibus na estrada. Passávamos a linha e seguíamos. Daí a pouco, no meio da escuridão, a boiada! Por causa do escuro, ainda não dava para ver os bois, mas já se escutavam os barulhos e se sentiam os cheiros fortes. Quase todos estavam deitados e tínhamos que ir passando no meio deles, aqueles elefantões. E o Zaga tinha mais medo do que eu! Precisava que eu desse coragem para ele!
De vez em quando, um boi bufava, soprando. Outro ficava em pé e sacudia as orelhas, roncava baixo, como um rangido. O barulho me fazia mal, dava um negócio ruim por dentro, mas tinha que continuar fingindo de valente, desviando dos bois e dos montes de bosta... Não havia uma bendita cerca de arame! E não adiantava desviar da estrada e entrar pelos eucaliptos, a boiada estava espalhada no meio das árvores.
Meu Deus, quando conseguíamos finalmente atravessar para o outro lado, que alívio! Mas, assim mesmo, eu seguia olhando mais para trás do que para frente. Até que chegava o Portão e o dia estava começando a clarear. Mais um pouco, a gente escutava o tranco do ônibus passando no pontilhão da Vila São Benedito e via a luz dos faróis iluminando os fios dos postes.
Chegou o ônibus. Vamos para Pinda, estudar de manhã, trabalhar à tarde e só voltar para casa quando estiver escurecendo. Depois começa tudo de novo.
Mas nunca faltamos à aula por causa de boi não deixar a gente passar. Bem capaz!
* * *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
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