Foi no decorrer do segundo ano
de escola que fiquei órfão de pai. Este era um papel melancólico, que atraía a
atenção de todos, porque envolvia alguns rituais. Tínhamos que usar, durante um
ano, uma tarja preta na gola do paletozinho. Mamãe tinha que usar roupa inteiramente
preta. Adaptado à condição de órfão, fui percebendo algumas mudanças no modo de
nos tratarem.
Toda vez que a gente ia
comprar pão, ganhava um doce da Dona Naná. Nessa época estava germinando em mim
o espírito de preocupação com os outros, a tendência de cuidar: O doce que eu ganhava, tendo ido sozinho à padaria, bem que
poderia comer sozinho, com três mordidas e pronto. Mas não: levava para casa,
ia com ele pelo meio dos eucaliptos que rodeavam o campo de futebol, ia com a
sacola de pão e o doce e entregava tudo para mamãe, ou vovó. Então elas
repartiam, cortavam com a faca – uma cirurgia ritual para multiplicar o doce
por oito, já que éramos oito irmãos. Lembrando que precisava guardar uma fração
para quem não estava, para quem ainda não tinha voltado do serviço, ou da
escola.
Quando a gente ia comprar
alguma coisa no bar, ganhava do Seu Rozalah, ou do Seu Zé Souraty, um picolé.
Aleluia! Mas isto durou pouco, pouco mesmo. Um dia, fui à leiteria com o Bosco
e a Auxiliadora. O Bosco se comportou, ganhou seu sorvete e ficou chupando bem
calmo, chupando por igual, para não deixar que o picolé afinasse muito no
centro e acabasse desabando do palito. Mas a Auxiliadora, coitadinha, não. Ela
chupou um pouco o picolé de coco, enjoou, jogou fora. Entrou de novo no bar: Agora eu quero de abacaxi. Minha irmãzinha, tinha cinco anos, lourinha, tão alegre...
Ganhou o picolé de abacaxi, saiu, foi se
sentar debaixo do pé de suinã. Duas ou três chupadas, jogou fora e veio de
novo: Agora eu vou querer... de groselha!
Naquele dia acabou a facilidade do sorvete. Mas o doce da padaria continuou,
porque as crianças não abusavam. E sempre vinha um pãozinho a mais, além dos
que a gente pagava.
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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: Coleção Coruputuba – Museu Histórico e Pedagógico Dom
Pedro I e Dona Leopoldina
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