Estava terminando o ano de
1958 e estavam terminando os dias do quarto ano do grupo. Estava terminando o
curso primário! Dali para frente, só uns poucos continuariam a estudar. Só quem
passasse no temível peneiramento do “exame de admissão ao ginásio”.
Era um tempo em que primário e
ginásio pertenciam a mundos diferentes. Professores diferentes, matérias
diferentes, salários diferentes para professores, diretores, funcionários. Formação diferente: um professor de primário
tinha estudos de nível colegial: a Escola Normal. Um professor de ginásio tinha
que ter curso superior. E as escolas eram separadas. Onde funcionava o
primário, era só primário, com vasinhos de flores nas janelas. Onde funcionava
ginásio, era só ginásio e colegial, nenhum vaso de flor.
Mas aproximava-se o final do
quarto ano e eu ia deixar de ser aluno do Grupo Escolar Rural. Ia começar a
viajar todo dia para a cidade, ia encontrar professores desconhecidos, colegas
desconhecidos, gente da cidade, tudo novo. E ia voltar para casa quando já estivesse
escurecendo. No ginásio não ia ter horta, nem mina d’água, nem canjica... Nem
ia poder usar calças curtas. E, antes do ginásio, ainda tinha que passar pelo
curso preparatório e pelo exame de admissão.
Nos últimos quinze dias letivos
não houve aula de verdade, era todo o tempo dedicado a trabalhos manuais para a Exposição. Hoje
eu diria: artesanato. Puxa vida, pensava, por que só no final do ano? Devia ter
mais disto. Os alunos fazendo bolsas e cintos de barbante, trabalhos com
madeira decorativos, ou utilitários, como porta-toalhas, cabides, tudo lixado,
pintado, envernizado com goma arábica. As meninas bordavam panos de prato,
panos para cobrir o fogão, costuravam, faziam bainhas, tricotavam. Nada mais de
aulas de Linguagem, nem de Aritmética, tudo era alegria e criatividade.
A escola toda estava meio
febril, excitada com duas coisas: a Exposição e a Formatura.
No último dia fomos à tarde
para a escola, era o ensaio da cerimônia de formatura. Depois, todos os colegas se foram, saindo em
grupinhos, conversando, rindo e, aos poucos, se espalhando pelas ruas do
bairro. Mas eu não estava com vontade de ir embora, não queria dar risada, nem
conversar. Fiquei para trás, na escola
deserta, ampla, quieta. O sol da tarde fazia brilhar as árvores do pátio. A
horta, lá embaixo, perto do ranchinho das ferramentas, estava invadida de
capim, fazia tempo que ninguém cuidava, nas últimas semanas de aula ninguém se
lembrava mais da horta, tudo tinha sido colhido.
Eu me sentei num dos bancos do
galpão, olhando as andorinhas que voavam no meio das vigas do telhado. Depois
deu uma tristeza, fui embora, pelo meio dos eucaliptos do campo de futebol.
= = = = =
Texto
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
No
livro ACONTECEU
NA ESCOLA
ISBN 978-85-913453-4
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