A grande paineira, entre a casa do Seu Rosalah (no fundo) e a Padaria (à direita)
A segunda guerra mundial já tinha
começado quando minha família se instalou em Coruputuba, em 1942. Verdade que o
Brasil ainda não tinha entrado na guerra, mas já estava começando a sofrer o
racionamento de produtos. Filas se formavam na cooperativa e na padaria.
Açúcar refinado era impossível. Seria
sorte se papai conseguisse comprar um pouco de açúcar preto, ou um pedaço de
rapadura. A fila na cooperativa andava devagar, cada um queria levar para casa
um pouco de feijão, de macarrão, o que houvesse. E azeite para a lamparina.
Pois o querosene não se achava mais, a produção era toda para a aviação.
Mas Coruputuba tinha essa benção dada
pela generosidade do Dr. Cícero Prado: os quintais grandes, com a liberdade de
se plantar e criar. Por isso que minha vó dizia: melhor ser pobre na roça do
que na cidade. Não faltavam as verduras e legumes na horta, nem o chuchu pelas
cercas e as frutas pelo quintal, nem os ovos diários, e os frangos no domingo.
E a fazenda garantia o leite para quem fosse cedinho buscar logo após a ordenha
das vacas holandesas
E a família ainda era pequena: papai,
mamãe, vovó, e os filhos Carlinhos e Ana Clara. Em plena guerra, em 1943,
nasceu o Pedro. O Zaga só foi nascer em 1945, quase no final da guerra. E foi a
época em que não se achava mais açúcar para nada. Nem para o café com leite,
nem para melhorar um bolo de fubá, que ia sem açúcar mesmo, nem para adoçar a
mamadeira do bebê. Não adiantava ficar na fila por causa de açúcar. Nada de
açúcar, nem do preto, nem do mascavo, nada.
Então, a Dona Naná e o Seu João Mexas,
donos da padaria, falaram para meu pai: ‒ Professor, olha, às vezes a gente
consegue um carregamento de bala, são umas balas mais baratas, desembrulhadas,
a gente guarda para o senhor, vende mais baratinho, vocês podem derreter elas
na água fervendo para passar café.
E começou a acontecer assim. O tempo
todo, quase que não se bebia café doce. Aí, um belo dia, vinha o Ditinho da
padaria avisar que era para alguém ir lá, que tinha chegado bala. Ia o papai e voltava com um belo pacote de balas desembrulhadas, misturadas,
que iam para a chaleira no fogão de lenha. Demorava, mas as balas derretiam e
dava para passar o café. Ficava um café com um gosto assim misto de morango com
hortelã, anis, laranja, coco..., mas todo mundo achava uma delícia.
Minha mãe contava que esta foi a
principal lembrança que a guerra deixou para ela. Além daquele pavor de
precisar ficar tudo escuro de noite.
É que a Companhia deu essa ordem: tudo
apagado. Não podia ficar nada aceso, nem lamparina, nem vela, porque as casas
não tinham forro, podia a luz da vela aparecer pelo vãozinho das telhas, e
passar um avião alemão, ver e bombardear.
Bom. Não é que o avião alemão fosse
bombardear as pobres casas da Vila Tanque, onde minha família morava, vizinhos
do Seu Alcides Sampaio. A pobre Vila Tanque, a vila dos Franciscos: o meu pai,
que era o professor Francisco, e o seu Francisco Casemiro, ou seu Chico
Lúcio, o seu Francisco Nogueira, o Seu Francisco Machado... Mas, pelas
luzes de qualquer das vilas, o inimigo poderia localizar o grande complexo
industrial que era, naquele tempo, a fábrica de papel da Companhia Cícero
Prado.
Sim, porque naquele tempo, as bombas
alemãs estavam levando o terror, o choro e o desespero a vários pontos desse
nosso tão bonito planeta. E o Brasil, finalmente, tinha entrado na guerra
contra eles.
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Texto: Paulo Tarcizio da Silva
Marcondes
Foto:
Coleção Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Maravilha de texto, professor... Obrigada!
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