O
pároco da Aldeia Distante precisava mandar temporariamente a Imagem Milagrosa
para a igreja da Aldeia Próxima. O único meio de transporte disponível era o
Burro que o Carvoeiro se dispôs a alugar. Trato feito, a Imagem presa com
segurança ao lombo, lá foi o Burro pela estrada, tocado pelo Carvoeiro. Nas vendas da beira do caminho, cessavam as
piadas, parava a bebida e o bilhar, pessoas tiravam o chapéu à passagem da
Milagrosa Imagem. E na chegada à Aldeia Próxima, os moradores se ajuntaram na
rua diante da igreja, houve quem se ajoelhasse com devoção. E o Burro pensou
que todo aquele respeito era para com ele. Orelhas erguidas e peito estufado,
dizia para si mesmo: “Finalmente reconheceram o meu valor!”.
Então,
a Imagem foi retirada e todo mundo foi atrás dela, entrando na igreja, largando
na praça o Burro sozinho com o Carvoeiro. Este, para não perder a viagem de
volta, amontoou no lombo do Burro muitos sacos de carvão para vender na Aldeia
Distante e, imediatamente, os dois pegaram o caminho de volta. Agora, ninguém
tirava o chapéu. Alguns moleques jogaram pedra, ainda atiçaram cachorro contra
o Burro, que, meio espantado, orelhas murchas, ia meditando: “Estas pessoas de
agora não são espertas como as daquela hora, não percebem o meu valor...”.
Assim
conta a fábula. E temos que nos lembrar que fábulas são inventadas pelos
humanos usando figuras de animais para explicar o comportamento de quem? Ora,
dos humanos mesmo. De verdade, sabemos que os burros são inteligentes, não são
burros não. Na mocidade, tendo que cavalgar pelas estradas de roça, eu percebia
que o burro sabia para que lado a porteira abria, ajudava-me posicionando-se de
modo a me facilitar o alcance da tranca, depois tirava depressa o lombo para
que a porteira não batesse nele. Cavalos não entendiam disso, não ajudavam.
Reflito
sobre esta fábula cada vez que assumo um Cargo, e cada vez que deixo um Cargo. Já
assumi cargos através de disputadíssimos concursos e já assumi cargos por
corresponder à confiança do Governante – este, por sua vez, assumindo um cargo
pela confiança do povo. Primeiro, sei que Cargo e Carga são a mesma coisa e
ainda resultam no verbo Carregar. Assumir um cargo exige disposição para carregar,
para levar a carga com segurança e respeito até o final do caminho contratado.
Tenho
procurado ser, com relação aos muitos cargos que já assumi, um honrado Burro de
Carga. Que se orgulha, sim, de ter sido selecionado para fazer o transporte.
Mas sabe perceber que uma coisa é o seu próprio valor – e outra coisa é o valor
da carga, que deve ser levada sempre cuidadosamente, para que não seja
danificada, para que não se estrague, para que não se perca. Para que as
pessoas continuem confiando nos que assumem cargos.
Para
que as pessoas continuem respeitando os Burros de Carga que honram suas cargas.
* * *
Texto de Paulo Tarcizio da
Silva Marcondes, escrito em 04/12/2012
Prezado Paulo Tarcizio. Estou elaborando uma série de mapas sobre o Tropeirismo e gostaria de me basear na foto acima para "decorar" meus mapas. Gostaria de saber se você se opõe a isso ou poderia liberar sua utilização?
ResponderExcluirAtenciosamente,
Francisco Stein
www.steinmapas.com