Senhor, fazei-me instrumento de
Vossa paz!
Oração de São Francisco
Estava uma manhã muito bonita, era
primavera. Depois do recreio, os alunos muito quietinhos faziam as lições. O
gado do Seu Irineu, lá longe, de vez em quando mugia. Parede e meia com a
escola, a casa da Dona Rosinha era quase silêncio completo: uma ou outra panela
que batia, chinelos pelo corredor de tijolo, o rádio ligado num programa
evangélico... Aí a Eva chegou até a minha mesa e falou baixinho: “Professor, a Joana fez cocô na saia, posso
levar ela lá em casa pra ela se lavar? Eu peço pra vó emprestar uma roupa minha
pra ela.”
A avó da Eva era justamente a vizinha, a
Dona Rosinha. E para lá foram as duas. Eu peguei o pano de chão, molhei,
pinguei um pinho-sol e limpei a carteira e o chão. Os aluninhos nas suas
lições. A Maria Lúcia que falou: “Coitada
da Joana, né Professor?”
Demora um pouco, voltam as meninas. A
Eva com um sorrisão tranquilo, tinha feito um ato bom. A Joana meio
envergonhada, mas feliz na roupa limpa emprestada pela Dona Rosinha, e cheirosa
do banho tomado. Depois, fim de aula, até amanhã, não esqueçam a tarefa etc.,
as crianças vão embora conversando em grupinhos, mas quase todas juntas, a
estrada era uma só para todos, até a encruzilhada do Cepinho. Ali se dividiam,
porque o pessoal da Fazenda Santana tinha que seguir reto mais uns quilômetros.
E eu reparei: “Veja só, que sossego, todos conversando bem amigos, ninguém debochando
de ninguém, a Joana recebeu só manifestações de atenção, de coitadinha... Se
fosse na cidade? Se fosse noutro lugar? Como que a gente faz para levar este
clima para outros lugares?”
A estrada era a Estrada do Pagador
Andrade, que levava a outras fazendas, à represa, e a mais sossego. Hoje essa
estrada leva para uma imensa fábrica de cerveja e a loteamentos novos. O lugar
é o mesmo, o tempo passou, muito. O sossego deve ter acabado. Eu, depois desse
dia, já trabalhei em muitos lugares, já confirmei que aquilo só podia ter
acontecido ali, naquele tempo, com aquelas crianças, naquelas manhãs de
primavera.
Mas dentro do meu coração eu continuei
acreditando que é preciso caminhar naquela direção, que não posso perder de
vista aquele momento, que a minha missão é reconstruir a utopia que eu
vivenciei numa pobre sala de aula do Bairro do Rio Abaixo, em Jacareí.
E hoje eu sei que fraternidade é o nome daquela utopia.
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Autor:
Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Extraído
do livro “Aconteceu na Escola”
Maravilhoso, também não deixo de acreditar nessa inocência, ou talvez pureza. que tempos bons, não podem ser apagados nunca de nossa memória, professor tem sempre uma boa história para contar e que nos deliciam ao ler, Parabéns.
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