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Auxiliadora e a Salete de repente apareceram pulando e cantando e os pombos fugiram
tatalando as asas. Elas saíram da cozinha, pela varandinha do tanque, cantando a
música que elas tinham inventado: “Bate bola, bate bola, bate bola na praia! Bate
bola, bate bola, bate bola na praia!” e os pombos brancos, que já estavam quase
entrando na arapuca, bateram as asas e foram embora.
Nossa!
Decepção!. Claro que a Auxiliadora e a Salete, meninas que tinham acabado de
entrar no prezinho da Vila Tanque, cheias de viço e alegria, não iam adivinhar a
expectativa silenciosa dos caçadores, que éramos eu e o Bosco. Saíram de dentro
da cozinha cantando e pulando e jogando a bolona de plástico. O Bosco ficou
muito muito zangado, inconformado.
Fazia
tempo que que a gente estava esperando uma oportunidade de prender aqueles
pombinhos brancos! Pombinho branco, assim inteirinho branco, não era muito
comum não. O que a gente via muito em
Coruputuba era uns pombos cinzentos, escuros, ou malhados. Pombos brancos eu
tinha visto no andor de Nossa Senhora de Fátima, eram ensinados, não saíam de
perto da imagem. E agora esses, que não eram pombos sem dono, eram do seu Dimas,
pai do Victor, nossos vizinhos pulando umas três casas em direção à farmácia.
Aqueles
pombinhos brancos a gente queria pegar para criar para nós. Para cortar as
penas de uma das asas e prendê-los ali no cercadinho, até que eles se acostumassem
com a nova residência. Quando as asas crescessem e eles pudessem voar de novo,
não tinha importância, já teriam começado a construir seus ninhos, criar seus
filhotes, não iam mais embora. Ficariam sendo nossos. Esse era o plano. Por isto, tínhamos armado um caixote, meio
levantado, com um graveto sustentando, e um barbante amarrado no graveto. O
barbante vinha até as nossas mãos, que estávamos escondidos, agachados atrás da
moita de erva cidreira, quase sem respirar, ali atrás do galinheiro. Milho
debaixo do caixote.
Toda
tarde passavam os pombos brancos, circulando no azul, e às vezes acabavam baixando
no nosso quintal, procurando algum resto de alimento, quirera, milho, esquecido
pelas galinhas nalgum cantinho. E naquele dia eles já estavam no chão do
quintal, assim meio amedrontados, meio precavidos, iam indo para o lado do
caixote, balançando as cabecinhas para frente e para trás. Eu e o Bosco, nossos
corações batendo forte, nós lado a lado, olhando fixo para a caça. Eu segurava
a ponta do barbante, esperando a hora em que eles entrassem debaixo do caixote
para puxar o barbante, o caixote cair prendendo a linda caça. Depois, como que
a gente ia tirar dali de dentro era outra história, ia ter que colocar um pano,
algum cobertor, para poder pegar os pombinhos em segurança.
Mas
as duas menininhas vieram de dentro de casa com “bate bola bate bola na praia”
e bem contentinhas, não entenderam a nossa exaltação, o nervosismo do Bosco. Falei: Bosco, não faz mal, não faz mal, outro dia
a gente consegue.
E a gente conseguiu foi de um modo diferente,
porque onde tinha pombo branco também era no telhado do escritório da fábrica. E
uma noite fizemos o seguinte; pegamos alguns bambus compridos e algum arame e
fomos até o escritório da companhia, que naquela hora estava escuro, pouco
iluminado, e não tinha ninguém tomando conta. Entramos no espaço entre o
escritório e a farmácia, na lateral do escritório, e os pombinhos dava para ver
na meia luz. Os pombinhos brancos estavam assentados ali, numa espécie de
platibanda do escritório, mas bem alto, e tinha também filhotes que já sabiam
voar um pouco. Esses que a gente queria. Ali mesmo emendamos os bambus amarrando
com arame um no outro até que ficou um enorme de um bambu, que podia alcançar
quase que o telhado do escritório, mas mole-mole, balançava muito. Comecei a
cutucar, meio que varrendo aquela platibanda da construção, com o bambu que
vergava, não dava segurança, mas acho que caíram uns três ou quatro pombinhos, filhotes
ainda, já empenados, que não tinham
prática de voar, ou então na escuridão não souberam voar e voltar para o lugar
deles e vieram planando até o chão e nós já pegamos e já metemos no saco. Voltamos
muito contentes para casa, arrastando aquele enorme bambu e com os pombinhos
brancos quietinhos no saco.
Então
esses pombinhos começaram fazer parte da nossa criaçãozinha. Que já tinha
alguns pombos cinzentos, um pombo que era o Cinzão, de peito grandão, e a Cinzinha,
muito linda, e também uma pomba preta. Os pombinhos brancos começaram a fazer
parte do nosso bando de pombos, que nos deram muita alegria.
Depois
alguns meses o nosso bando já era um dúzia de pombos que aprenderam a voar, mas
não iam embora, porque estavam criando. Ou tinham filhotinhos ou estavam
montando os ninhos no lugar aprovado pela fêmea, ou já estavam chocando os
ovinhos, em revezamento.
Podíamos
vê-los tranquilamente voar sobre as casas, sobre o cafezal, sobre a igreja, às
vezes subir muito alto e dar muitas voltas, e o bando se separar lá em cima e de
novo se juntar, lá longe, e sempre voltavam para nossa casa. Apesar da
inevitável ansiedade do Bosco, que ficava nervoso, coitado, achava que algum deles
estava demorando muito para voltar e que talvez tivesse acontecido alguma coisa,
talvez tivesse sido caçado por alguém, ou tivesse se perdido.
E
estava ficando tarde. As galinhas já tinham se recolhido, estava tudo calmo, quase
que começava a escurecer. A vó fazia a janta, saía fumacinha da chaminé.
Mas
os pombinhos sempre voltavam, ruflando as asas, invertendo a batida para a
frente, baixando a cauda bem aberta, estendendo para diante os pezinhos cor-de-rosa,
para refrear e pousar, e vinham se assentar primeiro no telhado da cozinha,
perto da chaminé. Ajeitavam-se, majestosamente, acertavam as penas, tinham as
suas discussõezinhas, os machos rodando em pião e arrulhando em torno de sua
femeazinha, até que, generosamente, desciam para o nosso mundo, o nosso quintal,
e procuravam os seus ninhos.
Então
o nosso júbilo era imenso, porque era como se nós tivéssemos voado sobre a
fazenda, como se uma parte de nós soubesse voar, porque o nosso pensamento
estava na cabecinha daquelas pequenas aves, os nossos olhos estavam nos olhos delas,
nossos braços eram aquelas magníficas asinhas, com penas reguláveis para subir
e para descer, para circular e para mudar repentinamente de rumo. Como se, por alguns
instantes, tivéssemos podido olhar o nosso bairro lá de cima, lá de cima, igual
os nossos pombinhos faziam.
O
Bosco ficava contente. Não precisava que eu falasse: Viu, voltaram todos, não tinha
que ficar preocupado não.
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Texto
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto:
Internet
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